Carlos Frydman

1924-11-15 Varsóvia (Polônia)
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Menino de Hirochima

Hoje, que o sol raiou mais otimista,
peço a todos que não despertem bruscamente as crianças,
que não perturbem seu brincar profundo,
que não maculem sua imensa pureza.
Peço que contem com voz suave e penetrante
que existiu um menino, em Hirochima,
despertando sempre antes do sol
— seu fiel e necessário amigo.
Gostava de vê-lo surgir
sereno, lento, quente e belo,
por entre a madrugada fria.
E quando uma dor lhe abatia,
esperava do Diário-Sol-Gigante
o ansiado carinho.

Um dia, porém,
viu, de repente,
o Sol explodir
em insuportável clarão;
e pensou que o Sol enlouquecera,
que por algo se ofendeu,
que saltou sobre a terra
em sádica vingança.
E, então, perguntou,
ante a nuvem viva de átomos
endiabrados e irremediáveis,
queimando seu pueril amor matinal,
seu gesto de espanto e temor,
seu olhar meigo, curioso e interrogativo:

— "Por que me queimas tanto,
se teu calor tem sido sempre tão amigo?"
E não teve tempo de saber
que, antes de os homens libertarem
de cada átomo um sol,
já escravizavam e queimavam homens vivos.


In: FRYDMAN, Carlos. Os caminhos da memória. Apres. Carlos Burlamáqui Kopke. Il. João Suzuki. São Paulo: Fulgor, 1965
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