Roberto Piva
Roberto Piva foi um poeta brasileiro.
1937-09-25 Pesquisas relacionadas
2010-07-03 São Paulo
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FBN 2008Alguns Poemas
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Roberto Piva nasceu na cidade de São Paulo, em 1937. Sua primeira publicação importante deu-se na Antologia dos novíssimos (São Paulo: Massao Ohno, 1961), e sua estreia em livro ocorreu em 1963, com o livro Paranóia, composto na linhagem visionária de William Blake, e ligado aos experimentos em fanopeia dos surrealistas, no qual Roberto Piva invoca e alinha-se às figuras de poetas brasileiros como Mário de Andrade e Murilo Mendes, proclamando o desregramento dos sentidos e posturas em sua cruzada pessoal pela cidade de São Paulo.
Publicou mais tarde os livros de poemas Piazzas (1964), Abra os olhos e diga ah! (1976), Coxas (1979), 20 poemas com brócoli (1981), Quizumba (1983), Antologia poética (1985) e Ciclones (1997). Com os efeitos positivos da abertura pluralizante da década de 90 e o arrefecimento da hegemonia construtivista na recepção crítica e poética brasileiras, ocorre no final da década a valorização da obra de Roberto Piva, assim como a de Hilda Hilst, estabelecendo-os como figuras notáveis e exemplares no início do século XXI, e levando à publicação, por uma grande editora comercial, de suas obras reunidas.
Vale notar que a publicação daPoesia Completa e Prosa de Murilo Mendes, em 1994, assim como as traduções amplamente divulgadas de herméticos italianos como Giuseppe Ungaretti, Eugenio Montale e Salvatore Quasimodo, talvez entrem também no emaranhado de causas e sintomas desta transformação na sensibilidade crítico-poética do país.
Os livros de Roberto Piva seriam reunidos em três volumes, publicados pela Editora Globo e editados por Alcir Pécora: Um estrangeiro na legião (2005), Mala na mão & asas pretas (2006) e Estranhos sinais de Saturno (2008).
Descobri o trabalho de Roberto Piva no mesmo ano em que descobri o de Hilda Hilst, em 1997, quando os dois poetas paulistas lançaram, respectivamente, a coletânea de poemas intituladaCiclones, e o romanceEstar sendo. Ter sido, que encerrava com o fenomenal "A Mula de Deus". Lembro-me, à época, de alguns artigos sobre o poeta que chamavam detransgressor,revolucionário,xamânico. Alguns anos mais tarde, descobriria seus primeiros livros, quando relançaram o volumeParanóia (1963), que tem alguns poemas de grande imaginação e com uma energia que parecia haver se exilado da poesia brasileira. Foi, no entanto, a descoberta dePiazzas (1964) eAbra os olhos e diga Ah! (1976) que me fariam respeitar imensamente a potência imaginativa de Piva. Talvez apenas em Hilda Hilst encontremos tal crueza corporal, tal espiritualidade e carnalidade sexualizadas, que me parecem, por vezes, mais potentes em sua ferocidade que aquelas que encontramos na maioria dos poetas modernistas, mesmo entre alguns que são, tecnicamente, muito superiores a Piva. No Brasil, um dos poucos precursores e mestres é Murilo Mendes.
Não há motivos para meias palavras: Piva não foi exatamente um poeta inovador. Não há técnicas realmente "novas" (este adjetivo complicadíssimo e confuso no campo da crítica de poesia), ou algo nele que já não estivesse, de alguma maneira, na poesia de Murilo Mendes e Jorge de Lima, por exemplo, se ficarmos apenas entre os brasileiros. Mas isso, afinal, verdadeiramente não importa muito. Na verdade, a valorização da poesia de Piva demonstra estarmos entrando em capítulo mais saudável da recepção crítica nacional, percebendo que os conceitos devanguarda etradição, especialmente aqueles defendidos no pós-guerra, eram ambos ilusórios, porque incompletos, parciais. A poesia de Piva, obviamente em seus melhores momentos, é simplesmente necessária.
Pouquíssimos poetas brasileiros no pós-guerra possuíram imaginação tão fértil quanto Roberto Piva, poeta que foi, além disso, um dos mais dignos representantes dorevival neo-romântico do pós-guerra, aquele que gerou, nos Estados Unidos por exemplo, toda a melhor poesia do indispensável movimentoBeat (que tampouco fez qualquer coisa que fossenova). Assim também com os poetas da chamada Escola de Nova Iorque - pois, em muitos aspectos, neo-romântica é também a poesia linda de Frank O´Hara, como muitos poemas estimulantes de John Ashbery, Kenneth Koch e James Schuyler. Na América Latina, talvez possamos pensar em Arturo Carrera nestes termos. Esta poética, de autores como Murilo Mendes, Roberto Piva, Allen Ginsberg e tantos outros, poderia ser chamada depós-bárdica e remonta (pelo menos) a poetas como Taliesin (534 - 599) e outros bardos do século V e VI, como Aneirin, sem mencionarmos toda a tradição dosskalds islandeses, dosgriots africanos, e outros poetas da tradição oral e literária.
É claro que as veleidades xamânicas, em pleno Ocidente e nos séculos XX e XXI, acabavam fazendo com que Piva, muitas vezes, naufragasse no irrisório e risível, mas há momentos em que esta ambição também lhe doou poemas muito fortes. Se nós tivéssemos lido autores como Roberto Piva e Hilda Hilst com mais atenção e muito mais cedo, teríamos talvez hoje maior equilíbrio em nossos parâmetros de "qualidade poética".
Ainda que um livro como Paranóia possa ressentir-se de um certo "tardo-surrealismo", os livros publicados por Roberto Piva entre as décadas de 60 e 80 demonstram uma grande liberdade de espírito e fidelidade a suas próprias convicções poéticas em meio ao silêncio crítico retumbante, que imperou sobre seu trabalho por décadas, lançando-o à margem dos debates poéticos do período. A década de 60 presenciou o surgimento de poetas bastante distintos, e que nos 15 últimos anos passaram a comandar a atenção tanto da crítica como dos poetas mais jovens. Entre os poetas mais fortes surgidos na década de 60 e influentes sobre os poetas de hoje, Roberto Piva assume seu papel constante de estranho-no-ninho, sua vocação maior, entre os outros poetas notáveis do período como, por exemplo, Orides Fontela (1940 - 1998), Paulo Leminski (1944 - 1989), Sebastião Uchoa Leite (1935 - 2003), Torquato Neto (1944 - 1972), Décio Bar (1943 - 1991), Leonardo Fróes e Sebastião Nunes, estes últimos também sobreviventes, tanto do silêncio da crítica como das agruras políticas do período.
Não há mais motivos para oposições e trincheiras. Há momentos para o visionário e momentos para o projetista, para o vates e para o faber, instantes em que precisamos de poetas que nos incitem corporalmente ao embate (a lover´s quarrel, nas palavras de Robert Frost) com o mundo, e instantes em que precisamos de poetas que nos afiem o intelecto. A maioria dos bons poetas é capaz de ambos, ao mesmo tempo. No entanto, se há dias em que necessitamos do lirismo contido-condensado de Lorine Niedecker e Augusto de Campos, há outros dias em que apenas o expansionismo mítico de poetas como Christopher Okigbo, Robert Duncan e Hilda Hilst pode servir de fertilizante para os nossos nervos à flor-da-pele. Entre estes últimos, posta-se a potente poesia de Roberto Piva em seus melhores momentos. Enquanto, em lugares como São Paulo, alguns grupos de poetas ainda dedicam-se exclusivamente a garantir sua hegemonia no seio da atenção crítica da década, tentando transformar sua poética em sinônimo de contemporâneo, nada melhor que aprender com Roberto Piva sobre a fidelidade às próprias crenças est-É-ticas.
A morte de Roberto Piva representa uma perda muito grande. O Brasil torna-se ainda mais pobre. Fica a sua poesia, instigando-nos ao embate, entre a delicadeza e a violência, entre o lírico e o bélico, unindo-os em inconformismo.
--- Ricardo Domeneck