NÃO MATARÁS
- E como vão indo as coisas em casa? - procurou saber o médico Cláudio Alencar enquanto preenchia o receituário.
- Sem novidades. A mesma peleja de sempre. Aquela infeliz de minha sogra vai acabar me matando um dia desses.
- Interessante - comentou o médico entregando à Catarina a receita.
- O que é interessante?
- Como a maioria das pessoas não se dão bem com sogras. Isto parece até ser...
O médico não teve tempo de terminar a frase e foi interrompido pela paciente:
- Se houvesse um jeito de dar fim naquela infeliz...
- Ora, Mariângela, eu a conheço desde os tempos do ginásio e sei perfeitamente que não teria coragem de fazer uma coisa dessas - disse seu interlocutor com um discreto sorriso.
- Este negócio de coragem é muito relativo. Já vi gente fazendo o impensável. Tudo depende da situação a que certas pessoas são expostas. Um ameaça, por exemplo...
- É, mas este não é o caso pelo que sei. Não acredito que a mãe do Fernando venha te importunando de tal forma que esteja pensando em matá-la.
- Olha, vou lhe dizer uma coisa: se pudesse dar um jeito nela sem que ninguém descobrisse que fui eu, esteja certo de que faria isto. E sem nenhum remorso ou peso na consciência.
- É mesmo verdade isto que está dizendo? - indagou o médico, naquele instante já mostrando-se visivelmente preocupado com o que estava ouvindo.
Seria mesmo sua velha amiga capaz de algo daquela natureza? Afinal estava ela falando, e com certo grau de seriedade, em tirar a vida de alguém.
Por um momento lembrou-se das palavras ouvidas instantes atrás: "Tudo depende da situação a que certas pessoas são expostas."
E estaria ela de fato exposta a situações tão desesperadoras assim?
- Esqueça o que acabou de ouvir, meu amigo. Foi apenas um desabafo. No fundo acho que não teria coragem para tal coisa. Além do mais, matar pode até ser fácil; difícil é sair impune depois. Mas que eu tenho, às vezes, vontade, eu tenho - reafirmou a paciente.
De repente o médico, disse-lhe algo que a deixou atônita.
- E se eu lhe dissesse que eu sei um jeito de você se "desfazer" dela sem deixar nenhum vestígio?
- De que está falando? Me desculpe. Eu só...
- Não precisa se desculpar. Acho que sei como são esses ódios que nós guardamos ao longo de toda a vida. Chega um ponto em que...
- Está ficando tarde - argumentou Mariângela, pondo-se de pé e pronta para deixar o consultório. Naquele momento era ela que estava achando muito estranho os rumos que a conversa estava tomando.
- Minha amiga, sente-se.
- É verdade. Preciso mesmo ir.
- Sente-se, por favor. Nossa conversa ainda não terminou.
Meio a contragosto, a paciente voltou a se sentar.
De imediato o médico abriu uma das gavetas de sua mesa e de lá retirou um frasco cheio de cápsulas.
- O que é isto? - questionou a paciente com os olhos arregalados.
Sem demonstrar qualquer tipo de constrangimento, o médico disse em voz baixa, como se tentasse não ser ouvido por mais ninguém além de Mariângela:
- Veneno.
- O quê !! Ficou louco, doutor Cláudio !!
- Ora, não quer dar cabo da mulher? Com isto aqui jamais alguém irá descobrir a causa da morte dela.
Já refeita do susto, a moça arriscou:
- E por que tem tanta certeza disso?
- Esqueceu-se de que além de médico, sou químico?
Mariângela fechou os olhos por alguns instantes. Estava tentando absorver a ideia de definitivamente...
- Mudei de ideia - disse ela em tom decidido, pondo-se novamente pé.
- Muito bem. Entretanto, vou lhe dar as cápsulas. Ela deve tomar uma a cada semana. Pode desmanchar na comida que ela não vai nem sentir o gosto. Se mudar de ideia, elas já estarão contigo. Só lhe faço uma recomendação se decidir colocar o plano em ação.
- E qual seria?
- Comece a tratar muito bem a sua sogra. Não pode levantar qualquer suspeita ao longo do tempo em que ela estiver tomando este "medicamento". Não lhe poupe atenção, carinho nem afeição. Precisará fazer isto por apenas seis meses dias. Outra coisa: ela não apresentará qualquer reação ao veneno durante este tempo. Mas esteja certa de que ao final deste período ela já não estará mais por aqui.
Mariângela ouviu aquelas últimas palavras ainda estupefata.
***
Cerca quinze dias depois lá estava ela no consultório do doutor Cláudio.
- Dei início ao tratamento - informou ela quase num desabafo.
- Muito bem. Foi dada a largada - riu o médio. - Agora lembre-se do que lhe falei: trate-a como se a amasse profundamente. Procure, inclusive, mostrar sempre ao seu marido este seu novo "lado" angelical.
Foi-se Mariângela e dela não se ouviu mais falar por quase quatro meses até que ela reapareceu no consultório, com ares de grande preocupação.
- Meu Deus, minha amiga! Você está bem?
- Não. Estou muito mal, e é por isto que vim lhe falar.
- Do que se trata, afinal?
- Vim lhe falar para me ajudar a reverter o caso. Mudei de ideia com relação à minha sogra.
- Mudou de ideia?! De que está falando? Já se foram mais de cem dias de "tratamento". Agora não tem mais jeito. Estamos já na reta final.
- Pelo amor de Deus. Você tem que me ajudar. Eu não a quero morta de jeito nenhum.
- E por que não?
- Descobri nestes meses que ela em verdade é uma pessoa maravilhosa. Santo Deus, como estou arrependida de tudo que fiz a ela ao longo de todos estes anos. Somente agora quando comecei a tratá-la bem, dando-lhe carinho e atenção é que pude perceber a pessoa fantástica que é ela.
Naquele momento o doutor Cláudio, abraçou Mariângela longamente e disse-lhe ao ouvido:
- O que você deu a ela foi placebo. Espero que tire disto tudo uma lição, por menor que seja: se tratarmos alguém com amor incondicional, certamente descobriremos o quão maravilhosa esta pessoa pode ser.
- Sem novidades. A mesma peleja de sempre. Aquela infeliz de minha sogra vai acabar me matando um dia desses.
- Interessante - comentou o médico entregando à Catarina a receita.
- O que é interessante?
- Como a maioria das pessoas não se dão bem com sogras. Isto parece até ser...
O médico não teve tempo de terminar a frase e foi interrompido pela paciente:
- Se houvesse um jeito de dar fim naquela infeliz...
- Ora, Mariângela, eu a conheço desde os tempos do ginásio e sei perfeitamente que não teria coragem de fazer uma coisa dessas - disse seu interlocutor com um discreto sorriso.
- Este negócio de coragem é muito relativo. Já vi gente fazendo o impensável. Tudo depende da situação a que certas pessoas são expostas. Um ameaça, por exemplo...
- É, mas este não é o caso pelo que sei. Não acredito que a mãe do Fernando venha te importunando de tal forma que esteja pensando em matá-la.
- Olha, vou lhe dizer uma coisa: se pudesse dar um jeito nela sem que ninguém descobrisse que fui eu, esteja certo de que faria isto. E sem nenhum remorso ou peso na consciência.
- É mesmo verdade isto que está dizendo? - indagou o médico, naquele instante já mostrando-se visivelmente preocupado com o que estava ouvindo.
Seria mesmo sua velha amiga capaz de algo daquela natureza? Afinal estava ela falando, e com certo grau de seriedade, em tirar a vida de alguém.
Por um momento lembrou-se das palavras ouvidas instantes atrás: "Tudo depende da situação a que certas pessoas são expostas."
E estaria ela de fato exposta a situações tão desesperadoras assim?
- Esqueça o que acabou de ouvir, meu amigo. Foi apenas um desabafo. No fundo acho que não teria coragem para tal coisa. Além do mais, matar pode até ser fácil; difícil é sair impune depois. Mas que eu tenho, às vezes, vontade, eu tenho - reafirmou a paciente.
De repente o médico, disse-lhe algo que a deixou atônita.
- E se eu lhe dissesse que eu sei um jeito de você se "desfazer" dela sem deixar nenhum vestígio?
- De que está falando? Me desculpe. Eu só...
- Não precisa se desculpar. Acho que sei como são esses ódios que nós guardamos ao longo de toda a vida. Chega um ponto em que...
- Está ficando tarde - argumentou Mariângela, pondo-se de pé e pronta para deixar o consultório. Naquele momento era ela que estava achando muito estranho os rumos que a conversa estava tomando.
- Minha amiga, sente-se.
- É verdade. Preciso mesmo ir.
- Sente-se, por favor. Nossa conversa ainda não terminou.
Meio a contragosto, a paciente voltou a se sentar.
De imediato o médico abriu uma das gavetas de sua mesa e de lá retirou um frasco cheio de cápsulas.
- O que é isto? - questionou a paciente com os olhos arregalados.
Sem demonstrar qualquer tipo de constrangimento, o médico disse em voz baixa, como se tentasse não ser ouvido por mais ninguém além de Mariângela:
- Veneno.
- O quê !! Ficou louco, doutor Cláudio !!
- Ora, não quer dar cabo da mulher? Com isto aqui jamais alguém irá descobrir a causa da morte dela.
Já refeita do susto, a moça arriscou:
- E por que tem tanta certeza disso?
- Esqueceu-se de que além de médico, sou químico?
Mariângela fechou os olhos por alguns instantes. Estava tentando absorver a ideia de definitivamente...
- Mudei de ideia - disse ela em tom decidido, pondo-se novamente pé.
- Muito bem. Entretanto, vou lhe dar as cápsulas. Ela deve tomar uma a cada semana. Pode desmanchar na comida que ela não vai nem sentir o gosto. Se mudar de ideia, elas já estarão contigo. Só lhe faço uma recomendação se decidir colocar o plano em ação.
- E qual seria?
- Comece a tratar muito bem a sua sogra. Não pode levantar qualquer suspeita ao longo do tempo em que ela estiver tomando este "medicamento". Não lhe poupe atenção, carinho nem afeição. Precisará fazer isto por apenas seis meses dias. Outra coisa: ela não apresentará qualquer reação ao veneno durante este tempo. Mas esteja certa de que ao final deste período ela já não estará mais por aqui.
Mariângela ouviu aquelas últimas palavras ainda estupefata.
***
Cerca quinze dias depois lá estava ela no consultório do doutor Cláudio.
- Dei início ao tratamento - informou ela quase num desabafo.
- Muito bem. Foi dada a largada - riu o médio. - Agora lembre-se do que lhe falei: trate-a como se a amasse profundamente. Procure, inclusive, mostrar sempre ao seu marido este seu novo "lado" angelical.
Foi-se Mariângela e dela não se ouviu mais falar por quase quatro meses até que ela reapareceu no consultório, com ares de grande preocupação.
- Meu Deus, minha amiga! Você está bem?
- Não. Estou muito mal, e é por isto que vim lhe falar.
- Do que se trata, afinal?
- Vim lhe falar para me ajudar a reverter o caso. Mudei de ideia com relação à minha sogra.
- Mudou de ideia?! De que está falando? Já se foram mais de cem dias de "tratamento". Agora não tem mais jeito. Estamos já na reta final.
- Pelo amor de Deus. Você tem que me ajudar. Eu não a quero morta de jeito nenhum.
- E por que não?
- Descobri nestes meses que ela em verdade é uma pessoa maravilhosa. Santo Deus, como estou arrependida de tudo que fiz a ela ao longo de todos estes anos. Somente agora quando comecei a tratá-la bem, dando-lhe carinho e atenção é que pude perceber a pessoa fantástica que é ela.
Naquele momento o doutor Cláudio, abraçou Mariângela longamente e disse-lhe ao ouvido:
- O que você deu a ela foi placebo. Espero que tire disto tudo uma lição, por menor que seja: se tratarmos alguém com amor incondicional, certamente descobriremos o quão maravilhosa esta pessoa pode ser.
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