Coisas de gatos
Ali estava ela, mais uma vez, muda nos gestos.
Não sei se contemplativa se letárgica…
Somente o abandono se manifestava nas horas,
lentamente…
Exílada ficava a cor que morrendo se perdia na imobilidade tardia.
No quintal dois pequenos gatos brincavam com o tempo
na tentativa vã de agarrar um momento de vida.
Um pássaro deu-lhes a fuga num sobressalto piado.
De tão suspensa entregava,
sem um lamento, a clepsidra à noite
que branda entrava pelos olhos dos corpos agitados;
num desespero de quem não quer perder a sombra,
efemeridade da matéria.
Dos pequenos gatos ficou a bailar na penumbra
o movimento de uma corrida feita rumor.
O que resta é o jardim, perdido nas trevas.
Agora era já a noite que impunha o seu querer
feito de todos os sobressaltos.
E a nós, barcaças de estreito calado,
restava-nos segurar, de órbitas secas,
a vida, por desepero mantida.
Amanhã voltarão os pequenos gatos…
para brincar ao futuro.
António Patrício Pereira