a casa
dentro da casa cabem muitas casas.
as paredes empurram contra as formas
todos os tempos nelas sublimados,
e em cada gesto a casa se transforma.
a cada porta que se abre ou fecha,
a cada coisa que se sente ou solta,
de dentro da caixa ou do álbum de fotos,
desdobra-se, como uma matriosca.
num canto da sala, a casa da infância
se abre, por exemplo, num tropeço,
ali, com suas presenças ausentes,
com seus brinquedos e rostos que esqueço,
e que esquecidos crio e tento achar,
rostos líquidos de voz e de sombra,
vívidos, sensíveis, invisíveis:
sem querer me ferem – e eu desvio o olhar.
dentro da casa cabem muitas casas.
logo no canto oposto à pueril
casa da infância, fechada na pálpebra,
reside a casa que ninguém mais viu,
desmoronando, roída de traças,
sobre seu alicerce imaginário,
cercada de acontecimentos ternos
que não puderam nunca entrar ali.
e na cozinha, no banheiro e quartos
diversas casas se mantêm à espreita
surgem, como na sala, de qualquer canto,
bem como da cama, quando se deita.
também é outra a casa no sofá,
se o corpo se reúne a outro instante
que tenha por acaso ali vivido
em uma casa – a mesma – já distante.
e o mesmo se aplica a cada objeto,
e a casa comporta em seus corredores
viagens maiores que as de avião:
em qualquer cômodo, a um toque da mão,
a casa de quando ela ainda vinha,
aberta pela chave do perfume,
e a casa de logo depois da morte,
trazida pela roupa no cabide.
e o que dizer dos que a casa habitam?
em cada vida, quantas casas cabem?
a casa se reparte em cada peito,
e se projeta, múltipla, tal como
a luz num prisma, em dispersão,
e torna impossível determinar
onde vivemos – e eu quase sufoco
entre estruturas de concreto e sonho
se paro e olho em seus olhos cansados,
que pousam, bem como os meus também pousam,
sobre a matéria que, em silêncio, guarda
inglórias histórias – e quase morro
sob o peso de tanta casa, nômade,
andarilho de passo dividido,
retendo em mim esta dor singular
de não reter, de tanta casa, um lar.
dentro da casa cabem muitas casas.
o tempo as adormece e não corrói.
nenhuma das casas desaparece,
e mesmo quando alegre a casa dói.
dentro da casa cabem muitas casas.
é claro à vista por trás das janelas.
dentro da casa cabem muitas casas,
porém já não caibo em nenhuma delas.
as paredes empurram contra as formas
todos os tempos nelas sublimados,
e em cada gesto a casa se transforma.
a cada porta que se abre ou fecha,
a cada coisa que se sente ou solta,
de dentro da caixa ou do álbum de fotos,
desdobra-se, como uma matriosca.
num canto da sala, a casa da infância
se abre, por exemplo, num tropeço,
ali, com suas presenças ausentes,
com seus brinquedos e rostos que esqueço,
e que esquecidos crio e tento achar,
rostos líquidos de voz e de sombra,
vívidos, sensíveis, invisíveis:
sem querer me ferem – e eu desvio o olhar.
dentro da casa cabem muitas casas.
logo no canto oposto à pueril
casa da infância, fechada na pálpebra,
reside a casa que ninguém mais viu,
desmoronando, roída de traças,
sobre seu alicerce imaginário,
cercada de acontecimentos ternos
que não puderam nunca entrar ali.
e na cozinha, no banheiro e quartos
diversas casas se mantêm à espreita
surgem, como na sala, de qualquer canto,
bem como da cama, quando se deita.
também é outra a casa no sofá,
se o corpo se reúne a outro instante
que tenha por acaso ali vivido
em uma casa – a mesma – já distante.
e o mesmo se aplica a cada objeto,
e a casa comporta em seus corredores
viagens maiores que as de avião:
em qualquer cômodo, a um toque da mão,
a casa de quando ela ainda vinha,
aberta pela chave do perfume,
e a casa de logo depois da morte,
trazida pela roupa no cabide.
e o que dizer dos que a casa habitam?
em cada vida, quantas casas cabem?
a casa se reparte em cada peito,
e se projeta, múltipla, tal como
a luz num prisma, em dispersão,
e torna impossível determinar
onde vivemos – e eu quase sufoco
entre estruturas de concreto e sonho
se paro e olho em seus olhos cansados,
que pousam, bem como os meus também pousam,
sobre a matéria que, em silêncio, guarda
inglórias histórias – e quase morro
sob o peso de tanta casa, nômade,
andarilho de passo dividido,
retendo em mim esta dor singular
de não reter, de tanta casa, um lar.
dentro da casa cabem muitas casas.
o tempo as adormece e não corrói.
nenhuma das casas desaparece,
e mesmo quando alegre a casa dói.
dentro da casa cabem muitas casas.
é claro à vista por trás das janelas.
dentro da casa cabem muitas casas,
porém já não caibo em nenhuma delas.
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