Iniciação
Diz-se que, quando menino,
Cristo brincava num vale,
moldando, em estátuas de argila,
as silhuetas das aves.
Era uma tarde de sábado.
O sol dourava as lembranças
mesclando ao frescor das águas
contornos da sua imagem.
Junto da argila molhada
colhida às margens do rio,
pingava o suor de uma fronte
crispada, tranqüila, estante,
como se o mundo parasse
- e há vezes que mesmo pára -
por doze estátuas de pó
que a gênese não contava.
Seu pai de carne esperava
cuidado com seus deveres.
Seu Pai, do Alto, esperava
que o seu fado se cumprisse.
Bem que o pequeno sabia
que o tempo ali era parco
e que furtar os segundos
era entregar-se de triste.
E não foi mais que um suspiro
amalgamado a um sorriso
que, ao levantar-se da terra,
deixou revelar o Cristo.
Mas já de costas pro rio,
criança que ainda era,
chorava que nem criança,
embora engolisse as águas.
E quando já caminhava,
tornou a fitar a margem,
dizendo, com o olhar perdido:
"Haveis de sofrer comigo".
E os passarinhos se foram,
sumindo à vista do vale.
Exceto por um que, antes,
suave, bicou sua face.