Arnaldo Jabor

Arnaldo Jabor

Arnaldo Jabor é um cineasta, roteirista, diretor de cinema e TV, produtor cinematográfico, dramaturgo, crítico, jornalista e escritor brasileiro.

1940-12-12 Rio de Janeiro, Brasil
1808
0
1


Alguns Poemas

Escrevo hoje um artigo sobre quase nada

O poeta Manoel de Barros lançou um novo livro: "Livro sobre Nada" é o nome. Esse surrealista-minimalista- pantaneiro, poeta das insignificâncias, dos detritos, descobre dramas na vida dos caramujos e nos ovos de formiga e faz os sapos do lodo denunciar nossa fragilidade. Leia este seu poema antigo, onde a morte de uma lacraia furada de espinho tem a pungência da morte de Isolda: "Chega de escombros, centopeia antúria!
Estrepe enterrada no corpo, a lacraia se engrola rabeja rebola suja-se na areia floresce como louca.
Gerânios recolhem seus anelos.
Está longe o horizonte para ela!"
Pois esse poema extraordinário lembrou-me um crime que eu tenho de confessar. Eu o cometi há um ano. É o seguinte: eu matei uma lesma no muro de meu jardim. Isso não é nada, dirá você.
Pois, se não é nada, eu hoje escrevo sobre nada, porque essa ocorrência banal que parece a culpa ridícula de um "eco-chato" ainda não me saiu da cabeça. Volta e meia eu penso na lesma, minha vítima.
Vamos aos fatos. As chuvas trouxeram muita umidade ao meu quintal, feito de bananeiras e buxos, onde uma estátua de Ceres se recobre aos poucos de limo. Essas súbitas águas devem ter irrigado a "ínfima sociedade" dos bichos ocultos nas gretas do jardim, pois deram para aparecer grandes lesmas que se puseram a traçar riscos de madrepérola no muro do quintal.
Sempre tive um certo horror das lesmas, com sua lentidão inútil, seu ritmo obstinado que nos lembra os outros bichos que nos comerão, que imitam os movimentos sem rumo de nossa vida absurda.
Essa lesma não era um bicho nojento, mas uma grande e negra com estrias amarelas nas costas e dois chifrinhos orgulhosos, como uma lesma de desenho animado. Mas, me provocou um horror inesperado. Será que meu asco saía da infância profunda, vinha de um nojo sexual qualquer? Eu me lembro de um analista que disse que só temos nojo do que queremos comer. Meu horror da lesma viria de uma antiguíssima fome de 1 bilhão de anos atrás, quando moluscos e vermes nos alimentavam?
O que sei é que a lesma me irritava muito, uma intrusa em meu muro. Para onde ela ia, afinal? Por que não me incomodavam as formigas, os sabiás gordos e egoístas a quem eu até atirava arroz e bananas? A presença daquele lento "vaginulídeo" era insuportável. Ela não podia ficar ali, quebrando meu mundo de harmonia, meu quintal planejado: arbustos, passarinho, bananeiras, estátua.
A lesma me jogava na pré-história, no período cambriano, quando os bichos escrotos nasceram; ela questionava que o jardim fosse minha propriedade privada, mostrava como era vago meu direito a esta vida correta, esta arrogância de humano, esta gravata, estas roupas, enquanto ela, toda nua, negra, estriada de amarelo, subia no meu muro.
Eu conheço bem a agitação das lagartixas nos banheiros, nas frinchas da casa. As vejo até com simpatia. A lagartixa te respeita, percebe elétrica tua presença, foge, te teme. A lesma, não. Ela te ignora, desatenta, em outro mundo denso e remoto. Ela te exclui.
A lesma é "snob". A lesma era meu perigo, minha morte, a prova de minha fragilidade; o ritmo da lesma traía minha ansiedade, meus projetos, meu nascimento do nada.
De onde surgira aquele monstro sem infância, sem ovo, sem pai nem mãe? De onde, aquela auto-suficiência? De onde, aquela certeza de rumo? Que bússola ela usava? De onde, aquela convivência tão íntima com meu muro, como se os dois fossem feitos um para o outro? Como ela ousava me ignorar tanto? Por que meus sabiás não a atacavam a bicadas? Por que minhas formigas não a carregavam em funeral para o buraco? Por que ninguém fazia nada?
(Você já vê que minha loucura vai adiantada. Que vou fazer?
Tenho de contar meu crime.)
Pois bem: entenda que eu não era apenas um pequeno burguês em crise pela invasão da lesma. Eu estava angustiado com aquele ser sem história, ali diante de mim. Devo dizer que eu tinha sofrido naqueles dias pequenas humilhações, o que seria uma atenuante para meu gesto. Mas, em nome na verdade, eu tenho de confessar sem vacilos que o que eu queria mesmo era matar a lesma, sem motivo, só para vê-la morrer ali na minha frente, para curtir o prazer desse ato violento.
Deu-me um intenso desejo de exterminar aquela forma de vida, tirá-la de minha parede como se eu fosse o deus da lesma, o seu destino, sua "moira". Eu queria era pronunciar o "fatwa" da lesma, eu, tão civilizado, tão castrado de instintos, com minha violência escondida. O quintal ficou mais silencioso, enquanto eu me decidia. Os sabiás não cantavam; estariam me observando?
Então, com o coração batendo forte, eu fui até a cozinha.
Disfarçadamente, querendo ocultar meu gesto da empregada, peguei rapidamente no armário um grande punhado de sal grosso (me disseram uma vez que o sal dissolve as lesmas num ferver venenoso, que o grande inimigo dos rastejantes é o sal).
Em seguida, levando o punhado de sal, voltei ao quintal, excitado como para um encontro de amor. Fui devagar até o muro, onde a lesma fazia seu trajeto paciente e esforçado. Ela já ia alta, como uma operária, como um atleta, um alpinista sério, concentrado em seu destino. Eu também me concentrava, na tocaia, e tremia de emoção.
E então atirei-lhe o punhado de sal no dorso. Por um instante, ela ficou coberta do pó branco; em seguida, eu vi tudo acontecer. Ela parou por um instante. Depois, (eu juro que é verdade, na medida em que alguma verdade posso conhecer, se é que minha verdade serve para interpretar a dela) a lesma virou o corpo para trás, despegando-se do muro na parte superior de sua engrenagem, e se estirou mais ainda como uma luneta mole me procurando.
Então, por um breve segundo, ela me achou. Fixou os dois chifrinhos em cima de mim e me "olhou". A lesma me "olhou", sem raiva, sem dor, ela me olhou com a imensa surpresa de saber de onde viera aquela praga de Deus. E por um "angstrom" de um segundo, como um raio frio, como um bater de cílios, houve um contato entre mim e minha vítima. Só nós dois e, entre nós, um tremor de 1 bilhão de anos.
Mas, foi só por um instante, quase nada, pois o sal começou a ferver seu corpo e ela se desprendeu do muro, caiu pesada e sumiu entre as plantas rasteiras, morrendo, certamente.
No muro, só ficou a madrepérola do seu rastro: azul-pavão, cintilações rosas, um visgo ocre, marcando sua passagem pela vida. Como escreveu Manoel de Barros, "estava longe o horizonte para ela!" Até hoje, está lá no muro a marca do meu crime.
Espero que as chuvas a apaguem, mas já faz muito tempo e nada sumiu.
Para mim também está mais longe o horizonte.

leia obra Poética de Manoel de Barros

Arnaldo Jabor | O problema sexual do presidente Jair Bolsonaro (Jornal da Globo - 18/02/2020)
Arnaldo Jabor
Arnaldo Jabor - 15/09/2014
Roda Viva Retrô | Arnaldo Jabor | 1991
Gente de Expressão - Arnaldo Jabor
Arnaldo Jabor sobre Lula, Judas, Jesus Cristo e Fariseus
Arnaldo Jabor - Bolsonaro é a essência do machão parado no tempo
E o Lula?
Seja feliz e pronto ! Arnaldo Jabor...
Os homens querem uma mulher que não existe | Arnaldo Jabor
A classe média pelas lentes de Arnaldo Jabor | Cineastas do Real
Mais respeito pela mentira
Jornal Nacional: Morte de Arnaldo Jabor (15/02/2022)
Relacionamentos por Arnaldo Jabor
Políticos X Gays : Arnaldo Jabor fala sobre o preconceito
Arnaldo Jabor fala sobre as fake news | Cinejornal
Arnaldo Jabor e os problemas na educação brasileira
Arnaldo Jabor - Corrupção no Brasil: Forma de Governo?
Travestis por Arnaldo Jabor
Arnaldo Jabor comenta as loucuras de Hugo Chavez
Arnaldo Jabor: "Dilma é economista e culta."
Olavo de Carvalho Fala Sobre Arnaldo Jabor
Arnaldo Jabor fala sobre o racismo
A idéia é usar a democracia para acabar com ela - Arnaldo Jabor
Arnaldo Jabor critica ministros de Jair Bolsonaro. Relembre.
Arnaldo Jabor mostra vídeos de corrupção no Brasil
Arnaldo Jabor - 11/04/2005
Morre cineasta e jornalista Arnaldo Jabor, aos 81 anos
Jornalista Arnaldo Jabor morre aos 81 anos
Cineasta e cronista Arnaldo Jabor morre aos 81 anos
História da burrice na Educação Brasileira - Arnaldo Jabor
2009 - ARNALDO JABOR: CORRUPÇÃO NO PAIS, DEUS TEM QUE NOS AJUDAR, A JUSTIÇA ESTÁ CEGA E PARALÍTICA
Arnaldo jabor - Relacionamentos
NASSIF COMENTA MORTE DE ARNALDO JABOR ✂ TVGGN
Arnaldo Jabor e o Aquecimento Global
Arnaldo Jabor fala mau do Heavy Metal Morte de Dimebag Darrell Pantera
Morre Arnaldo Jabor, aos 81 anos
Arnaldo Jabor e a corrupção na era Lula
Solidão - Arnaldo jabor
Claudia Riecken em: Vinagre contra Arnaldo Jabor
Comentário do Arnaldo Jabor sobre a estatização da maconha no Uruguai
Arnaldo Jabor fala sobre o seu filme "A Opinião Pública"
Arnaldo Jabor
Cineasta e jornalista Arnaldo Jabor morre aos 81 anos
Altas Horas - Amor e Sexo (Rita Lee e Arnaldo Jabor)
Corpo do jornalista Arnaldo Jabor será velado no RJ | EXPRESSO CNN
Polzonoff: “Arnaldo Jabor fez parte da geração ‘esquerda caviar’ ”
Arnaldo Jabor, as crônicas da voz do povo, calou-se, morreu hoje. 16 de fevereiro de2022
Arnaldo Jabor - Não Somos Racistas
Jornalista e cineasta Arnaldo Jabor morre aos 81 anos em São Paulo | NOVO DIA

Quem Gosta

Seguidores