Pablo Neruda
Pablo Neruda foi um poeta chileno, bem como um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha e no México.
1904-07-12 Parral, Chile
1973-09-23 Santiago, Chile
665002
50
889
A rua
Também te amo, rua repleta de rostos que arrastam sapatos, sapatos
que riscam a roda do orbe insultando armazéns,
e vivo no leito de um rio infinito de mercadorias,
retiro as mãos da devorante cinza que cai,
que envolvem a roupa que sai do cinema,
colo-me aos vidros olhando com fome chapéus que comeria
ou alfaias que querem matar-me com olhos de cólera verde
ou sabonetes tão suaves que se fizeram com suco de lua
ou livros de pele incitante que me ensinariam talvez a morrer
ou máquinas óticas que fotografam até tua tristeza
ou divãs dispostos às seduções mais inoxidáveis
ou o claro alumínio das caçarolas especializadas em ovos e aspargos
ou os trajes de bispo que a miúdo levam bolsos do Diabo
ou ferrarias amadas pela exatidão da minha alma
ou farmácias pálidas que ocultam, como as serpentes, sob o algodão
presas de arsênico, dentes de estricnina e unguentos letais,
ou tapetes vinílicos, estocolmos, brocados, milanos8
terylén, canhamaço, borlón9 e colchões de todo sossego
ou relógios que vão medir-nos e por fim tragar-nos
ou cadeiras de praia dobráveis adaptáveis a todo traseiro
ou teares com ratier, 1,36 Diederich, complicados e abstratos,
ou baixelas completas ou sofás floreados com capa
ou implacáveis espelhos que esperam demonstrar a
vingança da água
ou escopetas de repetição tão suavíssimas como um
focinho de lebre
ou adegas que se atulharam de cimento; e eu fecho os olhos:
são os ovos de Deus estes sacos terríveis que continuam parindo este mundo.
que riscam a roda do orbe insultando armazéns,
e vivo no leito de um rio infinito de mercadorias,
retiro as mãos da devorante cinza que cai,
que envolvem a roupa que sai do cinema,
colo-me aos vidros olhando com fome chapéus que comeria
ou alfaias que querem matar-me com olhos de cólera verde
ou sabonetes tão suaves que se fizeram com suco de lua
ou livros de pele incitante que me ensinariam talvez a morrer
ou máquinas óticas que fotografam até tua tristeza
ou divãs dispostos às seduções mais inoxidáveis
ou o claro alumínio das caçarolas especializadas em ovos e aspargos
ou os trajes de bispo que a miúdo levam bolsos do Diabo
ou ferrarias amadas pela exatidão da minha alma
ou farmácias pálidas que ocultam, como as serpentes, sob o algodão
presas de arsênico, dentes de estricnina e unguentos letais,
ou tapetes vinílicos, estocolmos, brocados, milanos8
terylén, canhamaço, borlón9 e colchões de todo sossego
ou relógios que vão medir-nos e por fim tragar-nos
ou cadeiras de praia dobráveis adaptáveis a todo traseiro
ou teares com ratier, 1,36 Diederich, complicados e abstratos,
ou baixelas completas ou sofás floreados com capa
ou implacáveis espelhos que esperam demonstrar a
vingança da água
ou escopetas de repetição tão suavíssimas como um
focinho de lebre
ou adegas que se atulharam de cimento; e eu fecho os olhos:
são os ovos de Deus estes sacos terríveis que continuam parindo este mundo.
143
0
Mais como isto
Ver também