Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX.
1902-10-31 Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, Brasil
1987-08-17 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
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Em Versiprosa
Soyez le bienvenu, mon général!
Que tal o meu sotaque? — Menos mal.
A questão é que as novas Diretrizes
e Bases não são lá muito felizes
ao deixar ao capricho do freguês
estudar tudo ou nada de francês.
Aprendemos assim, ano após ano,
somente inglês (inglês americano)
para dizer: Welcome, boy! a Charles,
como se fosse um falar novo de Arles?
(Daqui já estou sentindo, a breve alcance,
toldar-se o tempo na Maison de France.)
Ah! bem melhor, mais simples e faceiro,
falar ao general em brasileiro,
em carioca, na língua de Monsueto,
de samba, de “meu chapa”… O resto é espeto.
Mas, em momento de efusão cordial,
lembro e saúdo Béatrix Reynal,
tão francesa, tão nossa, no Leblon,
ensinando a ser útil e a ser bom.
Seu velho sonho: a França convidá-la
a ver de novo a França. O muito amá-la
e servi-la, na hora do perigo,
não justificaria o gesto amigo?
Sê gentil, Marianne, e sem detença
a querida Béatrix leva à Provença.
— Ei, amigos, chegou o dia onze.
Já pode repicar na torre o bronze,
acabaram-se as listas a granel.
Foi por falta de tempo ou de papel?
Se continuasse assim, pelo infinito,
não escapava gato nem mosquito.
Suspenso, aposentado, reformado,
demitido, cassado, processado,
e tudo mais em ido ou ado — geme
a justiça, se é que existe no IPM.
João Brandão, do bom gosto sentinela,
pleiteia novo horário de novela:
de zero a zero hora — obrigatório
para autor de novelas (punitório
e exclusivo, em cabines especiais,
para não perpetrá-las nunca mais).
Finda a semana, a chuva no lajedo
zarandando, ponho-me a ler Macedo
Miranda, e nos contos de As Três Chaves
engenho e arte, em requinte, são como aves
de agudo bico, e bicam no mistério
das coisas um encanto extraordinário.
É rima? Não é rima? Pingo um pingo
na cronicola, e a todos bom domingo.
11/10/1964
Que tal o meu sotaque? — Menos mal.
A questão é que as novas Diretrizes
e Bases não são lá muito felizes
ao deixar ao capricho do freguês
estudar tudo ou nada de francês.
Aprendemos assim, ano após ano,
somente inglês (inglês americano)
para dizer: Welcome, boy! a Charles,
como se fosse um falar novo de Arles?
(Daqui já estou sentindo, a breve alcance,
toldar-se o tempo na Maison de France.)
Ah! bem melhor, mais simples e faceiro,
falar ao general em brasileiro,
em carioca, na língua de Monsueto,
de samba, de “meu chapa”… O resto é espeto.
Mas, em momento de efusão cordial,
lembro e saúdo Béatrix Reynal,
tão francesa, tão nossa, no Leblon,
ensinando a ser útil e a ser bom.
Seu velho sonho: a França convidá-la
a ver de novo a França. O muito amá-la
e servi-la, na hora do perigo,
não justificaria o gesto amigo?
Sê gentil, Marianne, e sem detença
a querida Béatrix leva à Provença.
— Ei, amigos, chegou o dia onze.
Já pode repicar na torre o bronze,
acabaram-se as listas a granel.
Foi por falta de tempo ou de papel?
Se continuasse assim, pelo infinito,
não escapava gato nem mosquito.
Suspenso, aposentado, reformado,
demitido, cassado, processado,
e tudo mais em ido ou ado — geme
a justiça, se é que existe no IPM.
João Brandão, do bom gosto sentinela,
pleiteia novo horário de novela:
de zero a zero hora — obrigatório
para autor de novelas (punitório
e exclusivo, em cabines especiais,
para não perpetrá-las nunca mais).
Finda a semana, a chuva no lajedo
zarandando, ponho-me a ler Macedo
Miranda, e nos contos de As Três Chaves
engenho e arte, em requinte, são como aves
de agudo bico, e bicam no mistério
das coisas um encanto extraordinário.
É rima? Não é rima? Pingo um pingo
na cronicola, e a todos bom domingo.
11/10/1964
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