Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX.
1902-10-31 Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, Brasil
1987-08-17 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
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A Afonso Arinos, Setentão
Afonso, que brincadeira!
Ontem, no Colégio Arnaldo,
garotinho irresponsável;
hoje, em teus setenta anos,
verbete de enciclopédia…
E que bonito verbete,
que página além da página,
esse teu sulco profundo
na história silenciosa
de nossa gente (a outra história,
feita de noites-vigília
no escritório-oficina
de soluções e de rumos
para o instante desvairado).
Renitente praticante
de ofícios entrelaçados:
o de servidor de ideias
e o de servidor do povo,
o povo que, desconfio,
mal pode saber ainda
o que por ele tu fazes
armado só de palavra,
entre leis estraçalhadas,
esperanças malogradas
e sinais de mundo novo
rogando decifração.
Afonso, o da claridade
de pensamento, o de espírito
preocupado em riscar
passarelas de convívio
por entre irmãos divididos
e malquerenças rochosas
no território confuso:
Afonso, que bela vida
a vida nem sempre aberta
às sonatas da vitória!
Ser derrotado quem sabe
se é raiz amargosa
de triunfo intemporal?
O tempo, esse boiadeiro
de botas lentas e longas,
vai pisando na estrumeira
do curral, vai caminhando,
vai dando voltas na estrada,
alheio a cupins e onças,
pulando cercas de farpa,
vadeando rios espessos
até chegar ao planalto,
ao maralto, ao alto-lá
onde tudo se ilumina
ao julgamento da História.
Afonso, meu combatente
do direito e da justiça,
nosso exato professor
do direito mais precário
(o tal constitucional),
Afonso, galantuomo
que tens duas namoradas:
Anáh, de sempre, e essa outra
exigentíssima dama
que chamamos Liberdade,
Afonso, que vi xingado
de fascista e de outros nomes
que só a burrice inventa,
quando por sinal voltavas
de torva delegacia
aonde foste interceder
em momentos noturnais
pelos que iam xingar-te…
Mas o pico de viver
está justamente nisto
que bem soubeste ensinar-nos
combinar ternura e humour,
amenidade, puerícia
nos intervalos de luta.
E não disseste que doido
no fundo é todo mineiro
sob a neutra vestimenta
da mais sensata aparência?
Não disse Ribeiro Couto,
em breve arrufo amical,
que ouviu do Dr. Afrânio:
“Esse menino é maluco”?
Maluco, salve, o maluco,
o poeta mariliano,
o mirone de Ouro Preto,
cantor da barra do dia,
revelador do passado
em sua íntima verdade,
renovador de caminhos
de nossas letras e artes,
derrubador de odiosas
linhas de cor e prejuízo
(irmãos de pele diversa
já podem sentar-se à mesa
nacional, a teu chamado),
criador de nova atitude
do País perante os grandes,
humano e humanista Afonso,
salve, maluco!, te amamos.
Ontem, no Colégio Arnaldo,
garotinho irresponsável;
hoje, em teus setenta anos,
verbete de enciclopédia…
E que bonito verbete,
que página além da página,
esse teu sulco profundo
na história silenciosa
de nossa gente (a outra história,
feita de noites-vigília
no escritório-oficina
de soluções e de rumos
para o instante desvairado).
Renitente praticante
de ofícios entrelaçados:
o de servidor de ideias
e o de servidor do povo,
o povo que, desconfio,
mal pode saber ainda
o que por ele tu fazes
armado só de palavra,
entre leis estraçalhadas,
esperanças malogradas
e sinais de mundo novo
rogando decifração.
Afonso, o da claridade
de pensamento, o de espírito
preocupado em riscar
passarelas de convívio
por entre irmãos divididos
e malquerenças rochosas
no território confuso:
Afonso, que bela vida
a vida nem sempre aberta
às sonatas da vitória!
Ser derrotado quem sabe
se é raiz amargosa
de triunfo intemporal?
O tempo, esse boiadeiro
de botas lentas e longas,
vai pisando na estrumeira
do curral, vai caminhando,
vai dando voltas na estrada,
alheio a cupins e onças,
pulando cercas de farpa,
vadeando rios espessos
até chegar ao planalto,
ao maralto, ao alto-lá
onde tudo se ilumina
ao julgamento da História.
Afonso, meu combatente
do direito e da justiça,
nosso exato professor
do direito mais precário
(o tal constitucional),
Afonso, galantuomo
que tens duas namoradas:
Anáh, de sempre, e essa outra
exigentíssima dama
que chamamos Liberdade,
Afonso, que vi xingado
de fascista e de outros nomes
que só a burrice inventa,
quando por sinal voltavas
de torva delegacia
aonde foste interceder
em momentos noturnais
pelos que iam xingar-te…
Mas o pico de viver
está justamente nisto
que bem soubeste ensinar-nos
combinar ternura e humour,
amenidade, puerícia
nos intervalos de luta.
E não disseste que doido
no fundo é todo mineiro
sob a neutra vestimenta
da mais sensata aparência?
Não disse Ribeiro Couto,
em breve arrufo amical,
que ouviu do Dr. Afrânio:
“Esse menino é maluco”?
Maluco, salve, o maluco,
o poeta mariliano,
o mirone de Ouro Preto,
cantor da barra do dia,
revelador do passado
em sua íntima verdade,
renovador de caminhos
de nossas letras e artes,
derrubador de odiosas
linhas de cor e prejuízo
(irmãos de pele diversa
já podem sentar-se à mesa
nacional, a teu chamado),
criador de nova atitude
do País perante os grandes,
humano e humanista Afonso,
salve, maluco!, te amamos.
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