Fernando Pessoa
Fernando António Nogueira Pessoa, mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta, filósofo e escritor português. Fernando Pessoa é o mais universal poeta português.
1888-06-13 Lisboa, Portugal
1935-11-30 Lisboa
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O fado cantado à guitarra
O fado cantado à guitarra
Tem um som de desejar.
Vejo o que via o Bandarra,
Não sei se na terra ou no ar.
Sou cego mas vejo bem
No tempo em vez de no ar.
Goze quem goza o que tem.
A nau se há-de virar.
Canto às vezes sem dar voz
Como penso sem falar.
A cegueira que Deus me pôs
E um modo de luz me dar.
Vejo claro quanto mais deixo
O corpo cego às escuras.
Rogo pragas, mas não me queixo.
As pedras são todas duras.
Vejo um grande movimento
Em roda de uma árvore alta.
Das estrelas no firmamento
Há a mais nova que falta.
A preguiça (?) anda de rastos,
Os mortos gemem na cova.
Os gados voltam aos pastos
Quando desce a estrela nova.
Lei[o] no escuro os sinais
Do Quinto Império a chegar.
O Bandarra via mais,
Mas Deus é que há-de dar
Sinto perto o que está longe,
Quando penso julgo que fito,
Meu corpo está sentado em hoje
Minh'alma anda no Infinito.
Ando pelo fundo do mar,
Pelas ilhas do avesso,
E uma coisa que há-de chegar
Tem ali o seu começo.
Há no fundo d'um poço em mim
Um buraco de luz para Deus.
Lá muito no fundo do fim
Um olho feito nos céus.
E pelas paredes do poço
Anda uma coisa a mexer.
Rei moço, lindo rei moço,
Só ali te posso ver!
Meu coração está a estalar,
Minha alma diz-lhe não.
Vejo o Encoberto chegar
No meio da cerração.
Vendidos à Inglaterra,
Caixeiros da França vil,
Meteram a gente na guerra
Como num cesto aos mil.
Este vem trôpego e cego
Lá das Flandres e das Franças,
Só para o Leotte do Rego
Endireitar as finanças.
Este, que aos muros se encosta,
Veio doido lá da tropa,
Só porque o Afonso Costa
Queria ser gente na Europa.
Anda o povo a passar fome
E quem o mandou para a França
Não tem barriga para o que come
Nem mãos para o que alcança.
Metade foi para a guerra,
Metade morreu de fome.
Quem morre, cobre-o a terra.
Quem se afoga, o mar o some.
Ninguém odiava o alemão.
Mais se odiava o francês.
Deram-nos uma espada para a mão
E uma grilheta para os pés.
É inglesa a constituição,
E a república é francesa.
É d'estrangeiros a nação,
Só a desgraça é portuguesa.
E a raça que descobriu
O oriente e o ocidente
Foi morrer de balas e frio
Para a cama dos Costas ser quente.
Mas a verdade há-de vir,
O mal há-de ser descoberto
E Portugal há-de subir
Com a vinda do Encoberto.
Hão-de rir dos versos do cego;
Hão-de rir mas hão-de chorar,
Quem não for o Leotte do Rego
E tiver Pátria a que amar.
M[ija]ram na pia da Igreja,
Escreveram na porta do Paço
É em linha recta de Beja
Que está quem traz o baraço.
Era dez réis por cada homem
Para o Chagas ter fato novo.
Cada prato que eles comem
É tirado da boca do povo.
Quem é bom nunca é feliz,
Quem é mau é que tem razão;
O Afonso vive em Paris
E o Sidónio está num caixão.
Pobre era Jesus Cristo
E ainda o puseram na cruz.
De dentro de mim avisto
O Princípio de uma luz.
Um dia o Sidónio torna.
Estar morto é estar a fingir.
Quem é bom pode perder a forma
Mas não perder o existir.
Depois de quarenta e oito
Quando o sol estiver no Leão,
Há-de vir quem traga o açoite,
Até os mortos se erguerão.
Não riam da minha praga,
Os que viverem verão
Porque toda a Bíblia acaba
Na visão de S. João.
Sou cego mas tenho vista
Com os olhos de ver no escuro.
Falta o melhor da conquista
Que é ver para lá do muro.
Falo na minha guitarra
Só com o meu coração,
Vejo o que via o Bandarra
E no fim há um clarão.
Vejo o Encoberto voltar,
Vejo Portugal subir,
Há uma claridade no ar
E um sol no meu sentir.
Por que mesmo quem não acredita
É preciso acreditar;
Quando a gente endoidece de aflita,
Até se abraça ao ar.
Até que para o lado da barra
Há-de vir um grande clarão,
E voltar, como diz o Bandarra,
El-Rei Dom Sebastião.
No seu dia veio o segundo,
No outro será o terceiro,
Se o segundo foi para o fundo,
O terceiro será o primeiro.
Eu não quero nenhum estrangeiro,
Francês e inglês é o demónio,
Cuidado com o Terceiro
Que não é o Pimenta ou o Sidónio.
Logo que a Lua mudar
De onde não mostra valia,
No meio do meio do ar
Há-de aparecer o dia.
Na sua ilha desconhecida
O Encoberto já vai acordar.
Inda tem a viseira subida
E o ar de dormir a pensar.
Seu olhar é de rei e chama
Pela alma como uma mão.
Não é português quem não o ama.
Viva D. Sebastião!
Minha esquerda é a direita
De quem corre para mim.
Do futuro alguém me espreita,
Portugal não terá fim.
Tem um som de desejar.
Vejo o que via o Bandarra,
Não sei se na terra ou no ar.
Sou cego mas vejo bem
No tempo em vez de no ar.
Goze quem goza o que tem.
A nau se há-de virar.
Canto às vezes sem dar voz
Como penso sem falar.
A cegueira que Deus me pôs
E um modo de luz me dar.
Vejo claro quanto mais deixo
O corpo cego às escuras.
Rogo pragas, mas não me queixo.
As pedras são todas duras.
Vejo um grande movimento
Em roda de uma árvore alta.
Das estrelas no firmamento
Há a mais nova que falta.
A preguiça (?) anda de rastos,
Os mortos gemem na cova.
Os gados voltam aos pastos
Quando desce a estrela nova.
Lei[o] no escuro os sinais
Do Quinto Império a chegar.
O Bandarra via mais,
Mas Deus é que há-de dar
Sinto perto o que está longe,
Quando penso julgo que fito,
Meu corpo está sentado em hoje
Minh'alma anda no Infinito.
Ando pelo fundo do mar,
Pelas ilhas do avesso,
E uma coisa que há-de chegar
Tem ali o seu começo.
Há no fundo d'um poço em mim
Um buraco de luz para Deus.
Lá muito no fundo do fim
Um olho feito nos céus.
E pelas paredes do poço
Anda uma coisa a mexer.
Rei moço, lindo rei moço,
Só ali te posso ver!
Meu coração está a estalar,
Minha alma diz-lhe não.
Vejo o Encoberto chegar
No meio da cerração.
Vendidos à Inglaterra,
Caixeiros da França vil,
Meteram a gente na guerra
Como num cesto aos mil.
Este vem trôpego e cego
Lá das Flandres e das Franças,
Só para o Leotte do Rego
Endireitar as finanças.
Este, que aos muros se encosta,
Veio doido lá da tropa,
Só porque o Afonso Costa
Queria ser gente na Europa.
Anda o povo a passar fome
E quem o mandou para a França
Não tem barriga para o que come
Nem mãos para o que alcança.
Metade foi para a guerra,
Metade morreu de fome.
Quem morre, cobre-o a terra.
Quem se afoga, o mar o some.
Ninguém odiava o alemão.
Mais se odiava o francês.
Deram-nos uma espada para a mão
E uma grilheta para os pés.
É inglesa a constituição,
E a república é francesa.
É d'estrangeiros a nação,
Só a desgraça é portuguesa.
E a raça que descobriu
O oriente e o ocidente
Foi morrer de balas e frio
Para a cama dos Costas ser quente.
Mas a verdade há-de vir,
O mal há-de ser descoberto
E Portugal há-de subir
Com a vinda do Encoberto.
Hão-de rir dos versos do cego;
Hão-de rir mas hão-de chorar,
Quem não for o Leotte do Rego
E tiver Pátria a que amar.
M[ija]ram na pia da Igreja,
Escreveram na porta do Paço
É em linha recta de Beja
Que está quem traz o baraço.
Era dez réis por cada homem
Para o Chagas ter fato novo.
Cada prato que eles comem
É tirado da boca do povo.
Quem é bom nunca é feliz,
Quem é mau é que tem razão;
O Afonso vive em Paris
E o Sidónio está num caixão.
Pobre era Jesus Cristo
E ainda o puseram na cruz.
De dentro de mim avisto
O Princípio de uma luz.
Um dia o Sidónio torna.
Estar morto é estar a fingir.
Quem é bom pode perder a forma
Mas não perder o existir.
Depois de quarenta e oito
Quando o sol estiver no Leão,
Há-de vir quem traga o açoite,
Até os mortos se erguerão.
Não riam da minha praga,
Os que viverem verão
Porque toda a Bíblia acaba
Na visão de S. João.
Sou cego mas tenho vista
Com os olhos de ver no escuro.
Falta o melhor da conquista
Que é ver para lá do muro.
Falo na minha guitarra
Só com o meu coração,
Vejo o que via o Bandarra
E no fim há um clarão.
Vejo o Encoberto voltar,
Vejo Portugal subir,
Há uma claridade no ar
E um sol no meu sentir.
Por que mesmo quem não acredita
É preciso acreditar;
Quando a gente endoidece de aflita,
Até se abraça ao ar.
Até que para o lado da barra
Há-de vir um grande clarão,
E voltar, como diz o Bandarra,
El-Rei Dom Sebastião.
No seu dia veio o segundo,
No outro será o terceiro,
Se o segundo foi para o fundo,
O terceiro será o primeiro.
Eu não quero nenhum estrangeiro,
Francês e inglês é o demónio,
Cuidado com o Terceiro
Que não é o Pimenta ou o Sidónio.
Logo que a Lua mudar
De onde não mostra valia,
No meio do meio do ar
Há-de aparecer o dia.
Na sua ilha desconhecida
O Encoberto já vai acordar.
Inda tem a viseira subida
E o ar de dormir a pensar.
Seu olhar é de rei e chama
Pela alma como uma mão.
Não é português quem não o ama.
Viva D. Sebastião!
Minha esquerda é a direita
De quem corre para mim.
Do futuro alguém me espreita,
Portugal não terá fim.
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