Fernando Pessoa
Fernando António Nogueira Pessoa, mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta, filósofo e escritor português. Fernando Pessoa é o mais universal poeta português.
1888-06-13 Lisboa, Portugal
1935-11-30 Lisboa
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Azul, ou verde, ou roxo, quando o sol
Azul, ou verde, ou roxo, quando o sol
O doura falsamente de vermelho,
O mar é áspero [?], casual [?] ou mo(le),
É uma vez abismo e outra espelho.
Evoco porque sinto velho
O que em mim quereria mais que o mar
Já que nada ali há por desvendar.
Os grandes capitães e os marinheiros
Com que fizeram a navegação,
Jazem longínquos, lúgubres parceiros
Do nosso esquecimento e ingratidão.
Só o mar, às vezes, quando são
Grandes as ondas e é deveras mar
Parece incertamente recordar.
Mas sonho... O mar é água, é agua nua,
Serva do obscuro ímpeto distante
Que, como a poesia, vem da lua
Que uma vez o abate outra o levanta.
Mas, por mais que descante
Sobre a ignorância natural do mar,
Pressinto-o, vazante, a murmurar.
Quem sabe o que é a alma? Quem conhece
Que alma há nas coisas que parecem mortas.
Quanto em terra ou em nada nunca esquece.
Quem sabe se no espaço vácuo há portas?
Ó sonho que me exortas
A meditar assim a voz do mar,
Ensina-me a saber-te meditar.
Capitães, contramestres — todos nautas
Da descoberta infiel de cada dia ó
Acaso vos chamou de ignotas flautas
A vaga e impossível melodia.
Acaso o vosso ouvido ouvia
Qualquer coisa do mar sem ser o mar
Sereias só de ouvir e não de achar?
Quem atrás de intérminos oceanos
Vos chamou à distância como [?] quem
Sabe que há nos corações humanos
Não só uma ânsia natural de bem
Mas, mais vaga, mais subtil também,
Uma coisa que quer o som do mar
E o estar longe de tudo e não parar.
Se assim é, e se vós e o mar imenso
Sois qualquer coisa, vós por o sentir
E o mar por o ser, disto que penso;
Se no fundo ignorado do existir
Há mais alma que a que pode vir
À tona vã de nós, como à do mar,
Fazei‑me livre, enfim, de o ignorar.
Dai-me uma alma transposta de argonauta,
Fazei que eu tenha, como o capitão
Ou o contramestre, ouvidos para a flauta
Que chama ao longe o nosso coração,
Fazei-me ouvir, como a um perdão,
Numa reminiscência de ensinar,
O antigo português que fala o mar!
O doura falsamente de vermelho,
O mar é áspero [?], casual [?] ou mo(le),
É uma vez abismo e outra espelho.
Evoco porque sinto velho
O que em mim quereria mais que o mar
Já que nada ali há por desvendar.
Os grandes capitães e os marinheiros
Com que fizeram a navegação,
Jazem longínquos, lúgubres parceiros
Do nosso esquecimento e ingratidão.
Só o mar, às vezes, quando são
Grandes as ondas e é deveras mar
Parece incertamente recordar.
Mas sonho... O mar é água, é agua nua,
Serva do obscuro ímpeto distante
Que, como a poesia, vem da lua
Que uma vez o abate outra o levanta.
Mas, por mais que descante
Sobre a ignorância natural do mar,
Pressinto-o, vazante, a murmurar.
Quem sabe o que é a alma? Quem conhece
Que alma há nas coisas que parecem mortas.
Quanto em terra ou em nada nunca esquece.
Quem sabe se no espaço vácuo há portas?
Ó sonho que me exortas
A meditar assim a voz do mar,
Ensina-me a saber-te meditar.
Capitães, contramestres — todos nautas
Da descoberta infiel de cada dia ó
Acaso vos chamou de ignotas flautas
A vaga e impossível melodia.
Acaso o vosso ouvido ouvia
Qualquer coisa do mar sem ser o mar
Sereias só de ouvir e não de achar?
Quem atrás de intérminos oceanos
Vos chamou à distância como [?] quem
Sabe que há nos corações humanos
Não só uma ânsia natural de bem
Mas, mais vaga, mais subtil também,
Uma coisa que quer o som do mar
E o estar longe de tudo e não parar.
Se assim é, e se vós e o mar imenso
Sois qualquer coisa, vós por o sentir
E o mar por o ser, disto que penso;
Se no fundo ignorado do existir
Há mais alma que a que pode vir
À tona vã de nós, como à do mar,
Fazei‑me livre, enfim, de o ignorar.
Dai-me uma alma transposta de argonauta,
Fazei que eu tenha, como o capitão
Ou o contramestre, ouvidos para a flauta
Que chama ao longe o nosso coração,
Fazei-me ouvir, como a um perdão,
Numa reminiscência de ensinar,
O antigo português que fala o mar!
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