Fernando Pessoa
Fernando António Nogueira Pessoa, mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta, filósofo e escritor português. Fernando Pessoa é o mais universal poeta português.
1888-06-13 Lisboa, Portugal
1935-11-30 Lisboa
3801723
158
2902
Servo sem dor de um desolado intuito,
Servo sem dor de um desolado intuito,
De nada creias ou descreias muito.
O mesmo faz que penses ou não penses.
Tudo é irreal, anónimo e fortuito.
Não sejas curioso do amplo mundo.
Ele é menos extenso do que fundo.
E o que não sabes nem saberás nunca
É isso o mais real e o mais profundo.
Troca por vinho o amor que não terás.
O que speras, perene o sperarás.
O que bebes, tu bebes. Olha as rosas.
Morto, que rosas é que cheirarás?
Vendo o tumulto inconsciente em que anda
A humanidade de uma a outra banda,
Não te nasce a vontade de dormir?
Não te cresce o desprezo de quem manda?
Duas vezes no ano, diz quem sabe,
Em Nishapor, onde me o mundo cabe,
Florem as rosas. Sobre mim sepulto
Essa dupla anuidade não acabe!
Traz o vinho, que o vinho, dizem, é
O que alegra a alma e o que, em perfeita fé,
Traz o sangue de um Deus ao corpo e à alma.
Mas, seja como for, bebe e não sê.
Com seus cavalos imperiais calcando
Os campos que o labor steve lavrando,
Passa o César de aqui. Mais tarde, morto,
Renasce a erva, nos campos alastrando.
Goza o Sultão de amor em quantidade.
Goza o Vizir amor em qualidade.
Não gozo amor nenhum. Tragam-me vinho
E gozo de ser nada em liberdade.
30/11/1933
De nada creias ou descreias muito.
O mesmo faz que penses ou não penses.
Tudo é irreal, anónimo e fortuito.
Não sejas curioso do amplo mundo.
Ele é menos extenso do que fundo.
E o que não sabes nem saberás nunca
É isso o mais real e o mais profundo.
Troca por vinho o amor que não terás.
O que speras, perene o sperarás.
O que bebes, tu bebes. Olha as rosas.
Morto, que rosas é que cheirarás?
Vendo o tumulto inconsciente em que anda
A humanidade de uma a outra banda,
Não te nasce a vontade de dormir?
Não te cresce o desprezo de quem manda?
Duas vezes no ano, diz quem sabe,
Em Nishapor, onde me o mundo cabe,
Florem as rosas. Sobre mim sepulto
Essa dupla anuidade não acabe!
Traz o vinho, que o vinho, dizem, é
O que alegra a alma e o que, em perfeita fé,
Traz o sangue de um Deus ao corpo e à alma.
Mas, seja como for, bebe e não sê.
Com seus cavalos imperiais calcando
Os campos que o labor steve lavrando,
Passa o César de aqui. Mais tarde, morto,
Renasce a erva, nos campos alastrando.
Goza o Sultão de amor em quantidade.
Goza o Vizir amor em qualidade.
Não gozo amor nenhum. Tragam-me vinho
E gozo de ser nada em liberdade.
30/11/1933
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