Irene Lisboa

Irene Lisboa

Irene do Céu Vieira Lisboa, foi uma escritora, professora e pedagoga portuguesa. Tem uma biblioteca com o seu nome em Arruda dos Vinhos.

1892-12-25 Casal da Murzinheira, Arruda dos Vinhos
1958-11-25 Lisboa
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Alguns Poemas

Pequenos poemas mentais

Mental: nada, ou quase nada sentimental.

I

Quem não sai de sua casa,
não atravessa montes nem vales,
não vê eiras
nem mulheres de infusa,
nem homens de mangual em riste, suados,
quem vive como a aranha no seu redondel
cria mil olhos para nada.
Mil olhos!
Implacáveis.
E hoje diz: odeio.
Ontem diria: amo.
Mas odeia, odeia com indômitos ódios.
E se se aplaca, como acha o tempo pobre!
E a liberdade inútil,
inútil e vã,
riqueza de miseráveis.

II

Como sempre, há-de-chegar, desde os tempos!
Vozes, cumprimentos, ofegantes entradas.
Mas que vos reunirá, pensamentos?
Chegais a existir, pensamentos?
É provável, mas desconfiados e inválidos,
Rosnando estúpidos, com cães.

Ó inúteis, aquietai-vos!
Voltai como os cães das quintas
ao ponto da partida, decepcionados.
E enrolai-vos tristonhos, rabugentos, desinteressados.

III

Esse gesto...
Esse desânimo e essa vaidade...
A vaidade ferida comove-me,
comove-me o ser ferido!

A vaidade não é generosa, é egoísta,
Mas chega a ser bela, e curiosa!
E então assim acabrunhada...
Com franqueza, enternece-me.

Subtil
A minha mão que, julgo, ridicularizas,
de que desconheces a suavidade,
cerra-te pacificamente os olhos
e aquieta benignamente o ar.
Paira sobre a tua cabeça, móbil, branda,
na prática de um velho rito,
feminil, piedoso, desconhecido e inconfesso.

IV

Ó luxúria brutal, perversa e felina,
dos outros, alheia,
sem pensamentos nem repouso!
retira-me da frente o venenoso cálice,
a tua peçonha adocicada.
Que a morte, o nirvana, a indiferença
dos longuíssimos anos sem sobressaltos, me retome.

Abro os braços e meço: cá, lá... cá, lá...
solidão, infinita solidão!
E neste movimento, neste balouço, adormeço,
Cá, lá... morte, vida... morte, vida...
Todas as ausências, todas as negações.

V

Os poetas cumprimentam-se, delicados.
Cada um como seu metro, o seu espírito, a sua forma;
as suas credenciais...
Mas são simpáticos os poetas!
Sensíveis, femininos, curiosos.
Envolve-os um mistério.
Não! Esta é a linguagem de toda gente: o mistério...
Que mistério?
Os poetas são apenas reservados, são apenas...
perturbados e capciosos.

VI

Cai um pássaro do ar, devagar, muito devagar.
E as árvores soturnas não se mexem.
Estio!
Não se vêem bulir as árvores, em bloco, ou aos arcos,, estampadas...
Elegante Lapa! Sol fosco, paisagem de manhã.
A gente do sítio, pobreza e riqueza, ainda recolhida.
Aqui, uma janela discreta que se abre, preta, cega.
Ali outra fechada.
E esta alternância, bastante irregular, vai-se repetindo, repete-se...

E eu, ai eu! Prisioneira, sempre prisioneira; tão enfadada!

Irene Lisboa foi uma poeta, contista e pedagoga portuguesa, nascida na Quinta da Murzinheira em Arruda dos Vinhos, a 25 de dezembro de 1892. Formada pela Escola Normal Primária de Lisboa, seguiu com seus estudos em Ciências da Educação na Suíça, França e Bélgica. Estreou em 1926 com um livro de contos para crianças, Treze Contarelos.
 
  A estreia em poesia viria com Um dia e outro dia… – Diário de uma Mulher (1936), publicado sob o pseudônimo de João Falco, e mais tarde, sob o mesmo pseudônimo, Outono havias de vir (1937)e Solidão – Notas do punho de uma mulher (1939), no qual, mesclando verso, prosa e anotações, começa a quebrar a barreira entre gêneros literários, no que talvez possa ser vista como uma precursora da grande Maria Gabrila Llansol (1931 - 2008).  Em suas próprias palavras: "Ao que vos parecer verso chamai verso e ao resto chamai prosa." Publicaria ainda, entre outros, as novelas Começa uma vida (1940) e Voltar atrás para quê? (1956). Sua obra vem sendo reavaliada como uma das mais importantes do período. Irene Lisboa morreu em Lisboa a 25 de novembro de 1958.
 
 
 --- Ricardo Domeneck
 
 
 
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