O Deputado Discurso de Memória Corporal
por Luiz F. Papi
Quando o amor faz dos amantes os "animais enternecidos"de que nos fala o poeta cearense Roberto Pontes em Memória Corporal, esse achado elide a conotação antitética que em outro contexto estaria evidente. E isto ocorre simplesmente porque o amor, tal como o poeta o concebe e revitaliza literariamente, confere ao homem, enquanto bicho-amante, a mais completa e diversificada dimensão humanista. A depuradíssima imagem do enternecimento do animal-homem – uma entre muitas mais – como que sintetiza em seu despojamento calidoscópico metafórico de um discurso que dispensa, por desnecessários, os suportes da veemência usual e convencional dos poemas de amor. O reparo não equivale a repúdio aos que sabem exercitar a veemência de seus arroubos, mas não resta dúvida de que a ruptura aqui assinalada se opera em proveito de uma expressividade de elegância substantiva e sóbria. E não se trata de mera contenção verbal, já que o poeta assume o risco de fazer sua Memória Corporal fluir em liberdade, dentro dos condutos líricos que armou para "esta reflexão amadurecida e vivenciada sobre o amor", conforme escreve Carlos d’Alge nas abas da capa deste livro primorosamente ilustrado por Ana e Paulo Brandão.
O valor do texto de Roberto Pontes está realmente na força da palavra, na versátil inventiva e na amplitude dada ao velho tema. Sente-se, por exemplo, o pulsar do poema nesta confissão do poeta: "Quando me afoguei na região das termas/ bebi da mais profunda natureza." Mas o panteísmo não é o limite da amplitude do projeto poético do autor. Ele vai mais longe na escalada lírica e tece ainda segundo Carlos d’Alge – "um canto geral de integração e de ternura, de paz e realização humana". Tanto quanto a música, como queria Shakespeare, Roberto Pontes quer também a poesia como alimento do amor. E esse alimento ele o distribui sem apelar para a linguagem hiperbólica tão cara aos amantes. Curiosamente até, em certos passos de Memória Corporal o amor se nutre de poesia numa atmosfera de forte realismo imagístico, como no poema "Faltando Leite, Faltando Pão". Daí não ser "excessivo afirmar – com Lúcia helena no prefácio-ensaio intitulado "Sutil Tecido de Sal e Concha" – que a personagem central deste texto desejante é Eros, captado em todos os seus poros e latências".
Roberto Pontes iniciou-se na literatura nos anos 60 através do Grupo SIN (de sincretismo) e teve seu primeiro livro de poesia, Contracanto, publicado em Fortaleza pela Edições SIN, em 1968. O Grupo SIN, fundado por ele, Pedro Lyra, Horácio Dídimo, Linhares Filho e Rogério Bessa, desfez-se em 1969, porém marcou sua efêmera presença com a publicação de uma Sinantologia, reunindo aqueles poetas e alguns outros que haviam aderido ao movimento, cuja meta era a renovação das letras cearenses.
Em 1970 Roberto Pontes teve editado pela Imprensa Universitária do Ceará o volume Lições de Espaço – Teletipos, Módulos e Quânticas, um poema longo que naquele ano conquistou o Prêmio Universidade Federal do ceará. Ainda em 1970 o poeta publica o ensaio Vanguarda Brasileira: Introdução e tese, com que obtém o Pêmio Esso-Jornal de Letras, e no ano seguinte ganha em Brasília o Prêmio Fundação Nacional dos Garimpeiros com o poema Garimpo.
LUIZ F. PAPI é jornalista, poeta, tradutor e crítico.
Por muitos anos militou em O Globo e atualmente
trabalha na agência de notícias UPI. É autor de Arado Branco
(1957), livro apreendido pelos órgãos da repressão, em 1964,
no Rio de Janeiro; Poemas do Ofício (1964), Os Artífices (1967)
Este Ofício (1976) , e Desarvorárvore (1982) , todos de poesia.
Cartilha Anticrítica (1979) reúne artigos literários publicados
em vários órgãos da imprensa brasileira. Traduziu Konstantin Fédin,
Mikhail Cholokov, Jorge Icaza e Juan José Arreola. Militante
político do antigo Partido Comunista Brasileiro, seu nome figura
no mesmo inquérito do DOPS em que também está o de Graciliano Ramos.
Quando o amor faz dos amantes os "animais enternecidos"de que nos fala o poeta cearense Roberto Pontes em Memória Corporal, esse achado elide a conotação antitética que em outro contexto estaria evidente. E isto ocorre simplesmente porque o amor, tal como o poeta o concebe e revitaliza literariamente, confere ao homem, enquanto bicho-amante, a mais completa e diversificada dimensão humanista. A depuradíssima imagem do enternecimento do animal-homem – uma entre muitas mais – como que sintetiza em seu despojamento calidoscópico metafórico de um discurso que dispensa, por desnecessários, os suportes da veemência usual e convencional dos poemas de amor. O reparo não equivale a repúdio aos que sabem exercitar a veemência de seus arroubos, mas não resta dúvida de que a ruptura aqui assinalada se opera em proveito de uma expressividade de elegância substantiva e sóbria. E não se trata de mera contenção verbal, já que o poeta assume o risco de fazer sua Memória Corporal fluir em liberdade, dentro dos condutos líricos que armou para "esta reflexão amadurecida e vivenciada sobre o amor", conforme escreve Carlos d’Alge nas abas da capa deste livro primorosamente ilustrado por Ana e Paulo Brandão.
O valor do texto de Roberto Pontes está realmente na força da palavra, na versátil inventiva e na amplitude dada ao velho tema. Sente-se, por exemplo, o pulsar do poema nesta confissão do poeta: "Quando me afoguei na região das termas/ bebi da mais profunda natureza." Mas o panteísmo não é o limite da amplitude do projeto poético do autor. Ele vai mais longe na escalada lírica e tece ainda segundo Carlos d’Alge – "um canto geral de integração e de ternura, de paz e realização humana". Tanto quanto a música, como queria Shakespeare, Roberto Pontes quer também a poesia como alimento do amor. E esse alimento ele o distribui sem apelar para a linguagem hiperbólica tão cara aos amantes. Curiosamente até, em certos passos de Memória Corporal o amor se nutre de poesia numa atmosfera de forte realismo imagístico, como no poema "Faltando Leite, Faltando Pão". Daí não ser "excessivo afirmar – com Lúcia helena no prefácio-ensaio intitulado "Sutil Tecido de Sal e Concha" – que a personagem central deste texto desejante é Eros, captado em todos os seus poros e latências".
Roberto Pontes iniciou-se na literatura nos anos 60 através do Grupo SIN (de sincretismo) e teve seu primeiro livro de poesia, Contracanto, publicado em Fortaleza pela Edições SIN, em 1968. O Grupo SIN, fundado por ele, Pedro Lyra, Horácio Dídimo, Linhares Filho e Rogério Bessa, desfez-se em 1969, porém marcou sua efêmera presença com a publicação de uma Sinantologia, reunindo aqueles poetas e alguns outros que haviam aderido ao movimento, cuja meta era a renovação das letras cearenses.
Em 1970 Roberto Pontes teve editado pela Imprensa Universitária do Ceará o volume Lições de Espaço – Teletipos, Módulos e Quânticas, um poema longo que naquele ano conquistou o Prêmio Universidade Federal do ceará. Ainda em 1970 o poeta publica o ensaio Vanguarda Brasileira: Introdução e tese, com que obtém o Pêmio Esso-Jornal de Letras, e no ano seguinte ganha em Brasília o Prêmio Fundação Nacional dos Garimpeiros com o poema Garimpo.
LUIZ F. PAPI é jornalista, poeta, tradutor e crítico.
Por muitos anos militou em O Globo e atualmente
trabalha na agência de notícias UPI. É autor de Arado Branco
(1957), livro apreendido pelos órgãos da repressão, em 1964,
no Rio de Janeiro; Poemas do Ofício (1964), Os Artífices (1967)
Este Ofício (1976) , e Desarvorárvore (1982) , todos de poesia.
Cartilha Anticrítica (1979) reúne artigos literários publicados
em vários órgãos da imprensa brasileira. Traduziu Konstantin Fédin,
Mikhail Cholokov, Jorge Icaza e Juan José Arreola. Militante
político do antigo Partido Comunista Brasileiro, seu nome figura
no mesmo inquérito do DOPS em que também está o de Graciliano Ramos.
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