Osvaldo Chaves
Padre Osvaldo Carneiro Chaves, mais conhecido como Padre Osvaldo Chaves, foi um professor e poeta brasileiro.
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Sonho Medieval
Véspera de São José. Em Fortaleza. No Ceará.
As duas torres magras da Prainha
Estiram os pescoços para cima:
Duas garrafas brancas cheias de luar!
São dois poetas hirtos, absortos no infinito,
Cismando à beira-mar!
E com os olhos perdidos na luz rala
Sonham o sonho medieval
Das grandes catedrais,
Essas catedrais monumentais
Que falando a linguagem
Das ogivas e dos vitrais
Só elas falavam;
Porque naquele tempo o homem
Só ouvia,
Só podia
Entender
o que falasse do grandioso,
Do que há de sublime
No ideal religioso.
E a Prainha está sonhando,
Tão satisfeita por julgar que abriga
O coração da Idade-Média orando!
E as sombras vão cada vez mais baixando...
E a igrejinha, tão linda,
Sonha ainda.
E no sonho levanta um dos seus dedos góticos
Cheios de escamas batidos pelo malho do luar:
Um dedo colegial, taful,
Borrado de tinta azul.
Um dedo sonâmbulo
Que ela põe na boca da noite de asas de jaçanã
Para ao mar reclamar
Um momento de pausa no seu rataplã!
E o mar se cala
Para ouvir a sua fala...
Então diante do silêncio sentinela,
Do silêncio vespertino,
Ele começa dando a palavra
Ao badalo solene dum grande sino,
O Centenário
Que entoa o hino
Milenário
Do universo cristão;
Assim
Para o coração
Da Idade-Média ouvir:
"Adágio, andante, allegro, largo, maestoso..."
E lentamente as badaladas pelo espaço lá se vão...
"Marziale" agora, "prestíssimo, scherzo, molt piano",
Vão também muito além do sentimento humano,
Lá para onde os sinos,
Mínúsculos,
Franzinos,
Da humana razão em vão badalarão!
Este além, porém, aonde elas vão
E a fé que tem o coração cristão
E a melodia que os ares corta, num frenesi,
São acordes sem nomes,
Alguma coisa de Carlos Gomes
No prelúdio do Guarani!
E o Centenário continua,
À luz da lua,
Dobrando, badalando, bimbalhando,
Desmanchando-se em hinos
Ao sonzinho infantil de mais três sinos
Argentinos,
Cristalinos,
Que pulam, pinotam, saracoteiam
Em tomo de si mesmos
De boca aberta, gritando,
Assombrados com o Centenário
Virando e revirando!
De fato
É tão grande o aparato
Daquele declamador de badaladas,
Que quando recita os seus poemas de bronze
Parece com uma boca escancarada
Que engoliu ferozmente o próprio corpo;
Uma boca enorme, colossal,
Cuja língua secou de tanto badalar
Contra os rígidos beiços de metal!
E a Prainha acordou do sonho medieval,
No dia seguinte,
Cheinha de fiéis do século vinte.
Fortaleza, março de 1946.
As duas torres magras da Prainha
Estiram os pescoços para cima:
Duas garrafas brancas cheias de luar!
São dois poetas hirtos, absortos no infinito,
Cismando à beira-mar!
E com os olhos perdidos na luz rala
Sonham o sonho medieval
Das grandes catedrais,
Essas catedrais monumentais
Que falando a linguagem
Das ogivas e dos vitrais
Só elas falavam;
Porque naquele tempo o homem
Só ouvia,
Só podia
Entender
o que falasse do grandioso,
Do que há de sublime
No ideal religioso.
E a Prainha está sonhando,
Tão satisfeita por julgar que abriga
O coração da Idade-Média orando!
E as sombras vão cada vez mais baixando...
E a igrejinha, tão linda,
Sonha ainda.
E no sonho levanta um dos seus dedos góticos
Cheios de escamas batidos pelo malho do luar:
Um dedo colegial, taful,
Borrado de tinta azul.
Um dedo sonâmbulo
Que ela põe na boca da noite de asas de jaçanã
Para ao mar reclamar
Um momento de pausa no seu rataplã!
E o mar se cala
Para ouvir a sua fala...
Então diante do silêncio sentinela,
Do silêncio vespertino,
Ele começa dando a palavra
Ao badalo solene dum grande sino,
O Centenário
Que entoa o hino
Milenário
Do universo cristão;
Assim
Para o coração
Da Idade-Média ouvir:
"Adágio, andante, allegro, largo, maestoso..."
E lentamente as badaladas pelo espaço lá se vão...
"Marziale" agora, "prestíssimo, scherzo, molt piano",
Vão também muito além do sentimento humano,
Lá para onde os sinos,
Mínúsculos,
Franzinos,
Da humana razão em vão badalarão!
Este além, porém, aonde elas vão
E a fé que tem o coração cristão
E a melodia que os ares corta, num frenesi,
São acordes sem nomes,
Alguma coisa de Carlos Gomes
No prelúdio do Guarani!
E o Centenário continua,
À luz da lua,
Dobrando, badalando, bimbalhando,
Desmanchando-se em hinos
Ao sonzinho infantil de mais três sinos
Argentinos,
Cristalinos,
Que pulam, pinotam, saracoteiam
Em tomo de si mesmos
De boca aberta, gritando,
Assombrados com o Centenário
Virando e revirando!
De fato
É tão grande o aparato
Daquele declamador de badaladas,
Que quando recita os seus poemas de bronze
Parece com uma boca escancarada
Que engoliu ferozmente o próprio corpo;
Uma boca enorme, colossal,
Cuja língua secou de tanto badalar
Contra os rígidos beiços de metal!
E a Prainha acordou do sonho medieval,
No dia seguinte,
Cheinha de fiéis do século vinte.
Fortaleza, março de 1946.
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