Morais Filho

1844-02-23 Salvador
1919-04-01
1969
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A mulata

Eu sou mulata vaidosa,
Linda, faceira, mimosa,
Quais muitas brancas não são!
Tenho requebros mais belos;
Se a noite são meus cabelos,
O dia é meu coração.

Sob a camisa bordada,
Fina, tão alva, arrendada,
Treme-me o seio moreno:
É como o jambo cheiroso,
Que pende ao galho frondoso
Coberto pelo sereno.

Nos bicos da chinelinha,
Quem voa mais levezinha,
Mais levezinha do que eu?...
Eu sou mulata tafula;
No samba, rompendo a chula,
Jamais ninguém me venceu!

Ao afinar da viola,
Quando estalo a castanhola,
Ferve a dança e o desafio;
Peneiro dum mole anseio,
Vou mansa num bamboleio
Qual vai a garça no rio.

Aos moços todos esquiva,
Sendo de todos cativa,
Demoro os olhares meus;
Mas, se murmuram: "maldita!
Bravo, mulata bonita!"
Adeus, meu ioiô, adeus ...

Minhas iaiás da janela
Me atiram cada olhadela,
Ai dá-se! mortas assim...
E eu sigo mais orgulhosa
Como se a cara raivosa
Não fosse feita pra mim.

Na fronte ainda que baça,
Me assenta o torço de cassa,
Melhor que coroa gentil;
E eu posso dizer ufana,
Que, qual mulata baiana.
Outra não há no Brasil.

Nos meus pulsos delicados
Trago corais engraçados
Contas de ouro e coralinas;
Prendo meu pano à cintura,
Que mais realça à brancura
Das saias de rendas finas.

Se arde um desejo agora,
De meus afetos senhora,
Sei encontrá-lo no amor;
Minha alma é qual borboleta,
Que voa e voa inquieta
Pousando de flor em flor.

Meus brincos de pedraria
Tombam, fazendo harmonia
Com meu cordão reluzente;
Na correntinha de prata,
Tem sempre e sempre a mulata
Figuinhas de boa gente.

Eu gosto bem desta vida,
Que assim se passa esquecida
De tudo que é triste e vão;
Um dito repinicado,
Um mimo, um riso, um agrado
Cativam meu coração.

Nos presepes da Lapinha,
Só a mulata é rainha,
Meiga a mostrar-se de novo;
De minha face ao encanto,
Vai-se o fervor pelo santo,
Pra o santo não olha o povo!...

Minha existência é de flores,
De sonhos, de luz, de amores,
Alegre como um festim!
Escrava, na terra um dono,
Outro no céu sobre um trono,
Que é meu Senhor do Bonfim!

Na fronte ainda que baça,
Me assenta o torço de cassa
Melhor que coroa gentil;
E eu posso dizer ufana,
Que, por mulata baiana,
Outra não há no Brasil.

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