Olhos de Um Melro

Os olhos mecânicos do melro
eram as únicas coisas que se moviam
na sala. O quadro de Paul Klee desenhava
movimentos de um anjo,
eram movimentos eternos, insatisfatórios
porque não eram efêmeros resolúveis
numa fração de segundo. Os olhos porém
eram ágeis, falavam, escutavam, eram olhos
indagadores. Eu mesmo me imobilizei apavorado
perante aqueles movimentos rápidos e impacientes.
Sentei-me na cadeira de grande espaldar
defronte à escrivaninha. Dobrei a página,
deixando o marcador indicando-me a leitura
interrompida. Os olhos se detiveram,
por um instante. A seguir, desesperadamente
recomeçaram seus inteligentes movimentos.

(de Pantomimas e Animação, 1989)

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