Filipa Leal
Poeta e jornalista cultural. Estudou jornalismo na University of Westminster e Literatura portuguesa e brasileira na Universidade do Porto.
O minuto certo
Dizia-te do minuto certo. Do minuto certo do amor. Dizia-te
que queria olhar para os teus olhos e ter a certeza que pensavas
em mim. Que me pensavas por dentro. Que era eu a tua fantasia,
o teu banco de trás. O teu desconforto de calças caídas, de pernas
caídas, da rua que não estava fechada porque nenhuma rua se
fecha para o amor. Na cidade do meu sono, havia palmeiras onde
alguns repetiam putas e charros e atiravam pedras ao rio. Mas eu
nunca gostei de clichés. Nem de quartos de hotel. Nem de camas
que não conheço. Eu nunca abri as pernas, entendes? Nunca abri
as pernas no liceu. Nunca abri as pernas aos dezassete anos,
de cigarro na mão. Eu nunca me
comovi com o sonho de ser tua. Eu nunca quis que ficasses,
entendes? Que viesses. Queria que quisesses de mim esse minuto
certo, essa rua húmida de ser norte. Queria que me quisesses
certa, exacta, como o minuto onde me pudesses encontrar. Eu
nunca quis de ti uma continuidade, mas um alívio, uma noção de
ser gente, entendes? Eu nunca quis de ti o sonho do sono ou da
viagem. Nunca te pedi o pequeno-almoço, a ternura. Nunca te
disse que me abraçasses por trás, que adormecesses. Eu nunca
quis que me desses casa e filhos e lógica. Que me convidasses
para dançar. Queria os teus olhos a fecharem-se comigo por
dentro e tu por dentro de mim.
Queria de ti um minuto. Um minuto.