Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX.
1902-10-31 Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, Brasil
1987-08-17 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
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Sonho de Um Sonho
Sonhei que estava sonhando
e que no meu sonho havia
um outro sonho esculpido.
Os três sonhos superpostos
dir-se-iam apenas elos
de uma infindável cadeia
de mitos organizados
em derredor de um pobre eu.
Eu que, mal de mim! sonhava.
Sonhava que no meu sonho
retinha uma zona lúcida
para concretar o fluido
como abstrair o maciço.
Sonhava que estava alerta,
e mais do que alerta, lúdico,
e receptivo, e magnético,
e em torno a mim se dispunham
possibilidades claras,
e, plástico, o ouro do tempo
vinha cingir-me e dourar-me
para todo o sempre, para
um sempre que ambicionava
mas de todo o ser temia…
Ai de mim! que mal sonhava.
Sonhei que os entes cativos
dessa livre disciplina
plenamente floresciam
permutando no universo
uma dileta substância
e um desejo apaziguado
de ser um com ser milhares,
pois o centro era eu de tudo,
como era cada um dos raios
desfechados para longe,
alcançando além da terra
ignota região lunar,
na perturbadora rota
que antigos não palmilharam
mas ficou traçada em branco
nos mais velhos portulanos
e no pó dos marinheiros
afogados em mar alto.
Sonhei que meu sonho vinha
como a realidade mesma.
Sonhei que o sonho se forma
não do que desejaríamos
ou de quanto silenciamos
em meio a ervas crescidas,
mas do que vigia e fulge
em cada ardente palavra
proferida sem malícia,
aberta como uma flor
se entreabre: radiosamente.
Sonhei que o sonho existia
não dentro, fora de nós,
e era tocá-lo e colhê-lo,
e sem demora sorvê-lo,
gastá-lo sem vão receio
de que um dia se gastara.
Sonhei certo espelho límpido
com a propriedade mágica
de refletir o melhor,
sem azedume ou frieza
por tudo que fosse obscuro,
mas antes o iluminando,
mansamente o convertendo
em fonte mesma de luz.
Obscuridade! Cansaço!
Oclusão de formas meigas!
Ó terra sobre diamantes!
Já vos libertais, sementes,
germinando à superfície
deste solo resgatado!
Sonhava, ai de mim, sonhando
que não sonhara… Mas via
na treva em frente a meu sonho,
nas paredes degradadas,
na fumaça, na impostura,
no riso mau, na inclemência,
na fúria contra os tranquilos,
na estreita clausura física,
no desamor à verdade,
na ausência de todo amor,
eu via, ai de mim, sentia
que o sonho era sonho, e falso.
e que no meu sonho havia
um outro sonho esculpido.
Os três sonhos superpostos
dir-se-iam apenas elos
de uma infindável cadeia
de mitos organizados
em derredor de um pobre eu.
Eu que, mal de mim! sonhava.
Sonhava que no meu sonho
retinha uma zona lúcida
para concretar o fluido
como abstrair o maciço.
Sonhava que estava alerta,
e mais do que alerta, lúdico,
e receptivo, e magnético,
e em torno a mim se dispunham
possibilidades claras,
e, plástico, o ouro do tempo
vinha cingir-me e dourar-me
para todo o sempre, para
um sempre que ambicionava
mas de todo o ser temia…
Ai de mim! que mal sonhava.
Sonhei que os entes cativos
dessa livre disciplina
plenamente floresciam
permutando no universo
uma dileta substância
e um desejo apaziguado
de ser um com ser milhares,
pois o centro era eu de tudo,
como era cada um dos raios
desfechados para longe,
alcançando além da terra
ignota região lunar,
na perturbadora rota
que antigos não palmilharam
mas ficou traçada em branco
nos mais velhos portulanos
e no pó dos marinheiros
afogados em mar alto.
Sonhei que meu sonho vinha
como a realidade mesma.
Sonhei que o sonho se forma
não do que desejaríamos
ou de quanto silenciamos
em meio a ervas crescidas,
mas do que vigia e fulge
em cada ardente palavra
proferida sem malícia,
aberta como uma flor
se entreabre: radiosamente.
Sonhei que o sonho existia
não dentro, fora de nós,
e era tocá-lo e colhê-lo,
e sem demora sorvê-lo,
gastá-lo sem vão receio
de que um dia se gastara.
Sonhei certo espelho límpido
com a propriedade mágica
de refletir o melhor,
sem azedume ou frieza
por tudo que fosse obscuro,
mas antes o iluminando,
mansamente o convertendo
em fonte mesma de luz.
Obscuridade! Cansaço!
Oclusão de formas meigas!
Ó terra sobre diamantes!
Já vos libertais, sementes,
germinando à superfície
deste solo resgatado!
Sonhava, ai de mim, sonhando
que não sonhara… Mas via
na treva em frente a meu sonho,
nas paredes degradadas,
na fumaça, na impostura,
no riso mau, na inclemência,
na fúria contra os tranquilos,
na estreita clausura física,
no desamor à verdade,
na ausência de todo amor,
eu via, ai de mim, sentia
que o sonho era sonho, e falso.
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