Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX.
1902-10-31 Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, Brasil
1987-08-17 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
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Alceu, Radiante Espelho
Lá se vai Alceu, voltado para o futuro,
para um sol de infinita duração.
Lá se vai Alceu, sem as melancolias do passado,
que para ele tinha a forma de um casarão azul,
e sem as ilusões adolescentes do progresso.
Julga-se ouvir no seu trânsito
os acordes da Sonata para piano e violino de César Frank,
que ele tanto amava.
Seu claro riso e humana compreensão e universal doçura
revelam que pensar não é triste.
Pensar é exercício de alegria
entre veredas de erro, cordilheiras de dúvida,
oceanos de perplexidade.
Pensar, ele o provou, abrange todos os contrastes,
como blocos de vida que é preciso polir e facetar
para a criação de pura imagem:
o ser restituído a si mesmo.
Contingência em busca de transcendência.
Lá se vai Alceu: as letras não o limitam
no paraíso de sensualidade das palavras
que substituem coisas e sentimentos,
diluindo o sangue de existir.
Para além das letras restam indícios mais luminosos
de uma insondável, solene realidade
de que muitos tentam aproximar-se
com a cegueira de seus pontos de vista
e a avidez da insatisfação.
Alceu chega bem perto do fogo incandescente
e não tem medo.
Sorri. Venceu o conformismo
com a classe, a carreira, a biografia.
Alceu, radiante espelho
de humildade e fortaleza entrelaçadas.
Não chora as ruínas da esperança.
Com elas faz uma esperança nova
de que a justiça não continue uma dor e um escândalo
de incrível raridade,
e sim atmosfera do ato de viver
em liberdade e comunhão.
Lá se vai Alceu, gentil presença,
convívio militante entre solidões de ideias
cada vez mais fechadas — e ele aberto
aos ventos do mundo, à decifração do lancinante
anseio de instituir a paz interior
no regaço da paz exterior:
anseio de homens
desencontrados, tontos, malferidos
no horror da vida escrava do azinhavre
de moedas viciadas no poder da Terra.
Alceu tão frágil no seu grande corpo
que não comanda os rumos da aventura,
mas adverte, ensina, faz o gesto
que anima a prosseguir e a procurar
a mais exata explicação do homem.
E lá se vai Alceu, servo de Deus,
servo do amor, que é cúmplice de Deus.
para um sol de infinita duração.
Lá se vai Alceu, sem as melancolias do passado,
que para ele tinha a forma de um casarão azul,
e sem as ilusões adolescentes do progresso.
Julga-se ouvir no seu trânsito
os acordes da Sonata para piano e violino de César Frank,
que ele tanto amava.
Seu claro riso e humana compreensão e universal doçura
revelam que pensar não é triste.
Pensar é exercício de alegria
entre veredas de erro, cordilheiras de dúvida,
oceanos de perplexidade.
Pensar, ele o provou, abrange todos os contrastes,
como blocos de vida que é preciso polir e facetar
para a criação de pura imagem:
o ser restituído a si mesmo.
Contingência em busca de transcendência.
Lá se vai Alceu: as letras não o limitam
no paraíso de sensualidade das palavras
que substituem coisas e sentimentos,
diluindo o sangue de existir.
Para além das letras restam indícios mais luminosos
de uma insondável, solene realidade
de que muitos tentam aproximar-se
com a cegueira de seus pontos de vista
e a avidez da insatisfação.
Alceu chega bem perto do fogo incandescente
e não tem medo.
Sorri. Venceu o conformismo
com a classe, a carreira, a biografia.
Alceu, radiante espelho
de humildade e fortaleza entrelaçadas.
Não chora as ruínas da esperança.
Com elas faz uma esperança nova
de que a justiça não continue uma dor e um escândalo
de incrível raridade,
e sim atmosfera do ato de viver
em liberdade e comunhão.
Lá se vai Alceu, gentil presença,
convívio militante entre solidões de ideias
cada vez mais fechadas — e ele aberto
aos ventos do mundo, à decifração do lancinante
anseio de instituir a paz interior
no regaço da paz exterior:
anseio de homens
desencontrados, tontos, malferidos
no horror da vida escrava do azinhavre
de moedas viciadas no poder da Terra.
Alceu tão frágil no seu grande corpo
que não comanda os rumos da aventura,
mas adverte, ensina, faz o gesto
que anima a prosseguir e a procurar
a mais exata explicação do homem.
E lá se vai Alceu, servo de Deus,
servo do amor, que é cúmplice de Deus.
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