Ruy Belo
Rui de Moura Belo foi um poeta e ensaísta português.
1933-02-27 Rio Maior, Portugal
1978-08-08 Queluz
513597
10
585
Versos do pobre católico
Nem palavras nem coisas tenho para o teu altar
e é hoje a tua festa, agora é que me lembra, ó Senhora da Assunção.
Estás muito bonita; estiveram aos teus pés alguns momentos
brilhantes de fervor as presidentes de importantes movimentos.
Mas tens a fronte fria e dois olhos brilhantes.
Estava distraído. Não te sentes feliz
se o povo reza livremente o terço no país
e são muito cristãos os nossos governantes?
Nem palavras nem coisas nem a própria distracção será bastante
para fazer passar por cima dos mais próximos devotos esse olhar
que há-de envolver o grande corpo mudo justo mas distante
Nem palavras nem coisas tenho para o teu altar
e é hoje a tua festa, agora é que me lembra, ó Senhora da Assunção
Venho como um gatuno - o que rouba de frente, arrisca e puxa a faca
- depositar à superfície desse teu imenso olhar
poisado sobre os dias e os gestos e as águas na ressaca
entre aromas e fumos esta enorme incorrigível distracção
que me enche a vida o passo e o regaço e deixo finalmente transbordar
Era tudo o que tinha, era mais esta grande mágoa
de ter medo de vir, talvez por não saber nadar
no mar de piedade em que outros se comprazem
Ruy Belo | "Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 1, págs. 112 e 113 | Editorial Presença Lda., 1984
e é hoje a tua festa, agora é que me lembra, ó Senhora da Assunção.
Estás muito bonita; estiveram aos teus pés alguns momentos
brilhantes de fervor as presidentes de importantes movimentos.
Mas tens a fronte fria e dois olhos brilhantes.
Estava distraído. Não te sentes feliz
se o povo reza livremente o terço no país
e são muito cristãos os nossos governantes?
Nem palavras nem coisas nem a própria distracção será bastante
para fazer passar por cima dos mais próximos devotos esse olhar
que há-de envolver o grande corpo mudo justo mas distante
Nem palavras nem coisas tenho para o teu altar
e é hoje a tua festa, agora é que me lembra, ó Senhora da Assunção
Venho como um gatuno - o que rouba de frente, arrisca e puxa a faca
- depositar à superfície desse teu imenso olhar
poisado sobre os dias e os gestos e as águas na ressaca
entre aromas e fumos esta enorme incorrigível distracção
que me enche a vida o passo e o regaço e deixo finalmente transbordar
Era tudo o que tinha, era mais esta grande mágoa
de ter medo de vir, talvez por não saber nadar
no mar de piedade em que outros se comprazem
Ruy Belo | "Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 1, págs. 112 e 113 | Editorial Presença Lda., 1984
1004
2
Mais como isto
Ver também