Fernando Pessoa
Fernando António Nogueira Pessoa, mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta, filósofo e escritor português. Fernando Pessoa é o mais universal poeta português.
1888-06-13 Lisboa, Portugal
1935-11-30 Lisboa
3744640
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DACTILOGRAFIA
DACTILOGRAFIA
Traço sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projecto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.
Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tic-tac estalado das máquinas de escrever.
Que náusea da vida!
Que abjecção esta regularidade!
Que sono este ser assim!
Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.
Outrora.
Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tic-tac estalado das máquinas de escrever.
Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.
Na outra não há caixões, nem mortes,
Há só ilustrações de infância:
Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na outra...
Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro.
Ergue a voz o tic-tac estalado das máquinas de escrever.
19/12/1933 (publicado na Presença, nº 1, 2ª série, Novembro de 1939)
Traço sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projecto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.
Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tic-tac estalado das máquinas de escrever.
Que náusea da vida!
Que abjecção esta regularidade!
Que sono este ser assim!
Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.
Outrora.
Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tic-tac estalado das máquinas de escrever.
Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.
Na outra não há caixões, nem mortes,
Há só ilustrações de infância:
Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na outra...
Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro.
Ergue a voz o tic-tac estalado das máquinas de escrever.
19/12/1933 (publicado na Presença, nº 1, 2ª série, Novembro de 1939)
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