valerá a pena escrever a neve

valerá a pena escrever a neve

em carreiros de água,

como se a noite fosse o líquido

que obedece às películas da distância.

a impressão ágil da sombra

que produz o efeito das tílias

e o sossego longínquo

do nada iluminado.

sobre a boca encontrarás

o sinal do silêncio

a sua mãe terrestre

que esquece as ervas,

os socalcos leves

que chegam ao rio

mortos em verbo.

valerá a pena

a asa envolvente do jasmim

o anjo insubmisso do trigo,

ou o espelho sonoro

que guarda a metafísica dos caminhos.

como o céu e o carvalho milenar,

o leito é isento de mágoa,

e a porta dos peregrinos

busca a religião da luz.

ouve e repara a teimosia

do vinhático

em perfumar o ar.

é inútil o tacto da boca.

descerás

pelos campos subterrâneos da névoa

e crescerá em ti

o profano esquecimento de tudo.

de Escrever Foi um Engano(2000)

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