Fontoura Xavier

Fontoura Xavier

1856-06-07 Cachoeira do Sul RS
1922 Lisboa
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Spleen

Tenho um fantasma secreto
Como um vírus deletério...
Às vezes traja de Hamleto
Com cenas no cemitério.

Numa idéia que interrogo
Vejo o mal que a mim impele-a...
Fito crânios, monologo,
Tenho saudades de Ofélia.

As minhas visões passadas,
As andorinhas de outrora,
Levantam-se em revoadas
Caminho de nova aurora,

E sobrenada-me e bóia
A negra dúvida imensa
Como um abutre de Goya
Sobre o cadáver da Crença!...

Às vezes creio que cessa
Dentro de mim uma existência:
Parece erguer-se uma essa
E uns coros à Providência!...

Estive pensando agora
Que na verdade eu quisera
Que bem se desse em tal hora
A morte de uma Quimera.

A Fantasia — essa mágica,
A causa de tudo aquilo,
É mais ardente e mais trágica
Que Shakespeare e Ésquilo!

Um ventre que sempre aborta
E cada aborto é um louco!...
Quem me dera vê-la morta
Torturando-a pouco a pouco!

Carregou-me tanto o tédio
Do dia d'ontem, que em suma,
Supus-me um vate-epicédio
Velho fetiche da bruma.

Desabrochou-me a flor da mágoa
Sobre os palores da fronte
Como antes da carga d'água
O claro sol no horizonte.

Quando o crepúsculo veio
Tive um raio de esperança:
Vi o céu rachado ao meio
Pelo arco da aliança!...


In: XAVIER, Fontoura. Opalas. Apres. Regina Zilberman. 5.ed. Porto Alegre: Centro de Pesquisas Literárias - PUCRS, 1984. p.69-70. Poema integrante da série Ruínas.

NOTA: Vate-epicédio = diz-se do poeta que compõe poesias em memória de algué
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