aberta às palavras...prosa poética
Minha mãe continua remendando o lençol, enquanto a lareira crepita e se ouve o fervilhar da sopa.
Fecha a porta diz a mãe, olha a corrente de ar, e minha avó rabujenta e desesperada... já se encheu a casa de fumo, pois esta cachopa não sabe estar sossegada, anda numa roda viva o tempo todo, parece que tem fogo no rabo...
O principal pensamento estava na brincadeira, a dormir ou acordada sempre a mesma ânsia, a mesma excitação, a brincadeira era a magia que alegrava e fazia brilhar as pedras preciosas que eram meus olhos, de reflexos cor da terra e o verde dos prados, e nos lábios de água fresca sempre o mesmo sorriso.
E quando veio a primavera os pássaros pousaram no peitoril da janela, as sardinheiras deram-lhes as boas vindas, hoje o peitoril da janela vê-se privado dos pássaros, os olhos não brilham mais e o sorriso não tem o mesmo fulgor, só a saudade é que me traz um alívio bem vindo.
A avó rezava de face olheirenta marcada pelas rugas, de quando em quando abria a boca bocejando, e uma ou outra lamúria se lhe escapava dos lábios e ficava meditando na sorte de alguém que partiu para não voltar, esse avô que pairava clandestinamente pela casa como um fantasma.
Dizem os velhos da aldeia que me pareço com ele, como saber ao certo se apenas o conheço duma fotografia que não páro de olhar?
É agora tempo de medrarem as sementeiras, aspiro o cheiro dos campos, quem dera obrigar o relógio a andar para trás.
Às vezes se acerca de mim o pânico, o medo de esquecer, por isso me apresso a passar ao papel, a história dum vaso florido que o sol ergueu com narcisos de ouro e que hoje está quase quebrado, e só a poeira o cobre e a palavra o sente.
Recolho a saudade de mim
quando ao espelho me olho...
rosafogo
natalia nuno
Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=243982 © Luso-Poemas
Fecha a porta diz a mãe, olha a corrente de ar, e minha avó rabujenta e desesperada... já se encheu a casa de fumo, pois esta cachopa não sabe estar sossegada, anda numa roda viva o tempo todo, parece que tem fogo no rabo...
O principal pensamento estava na brincadeira, a dormir ou acordada sempre a mesma ânsia, a mesma excitação, a brincadeira era a magia que alegrava e fazia brilhar as pedras preciosas que eram meus olhos, de reflexos cor da terra e o verde dos prados, e nos lábios de água fresca sempre o mesmo sorriso.
E quando veio a primavera os pássaros pousaram no peitoril da janela, as sardinheiras deram-lhes as boas vindas, hoje o peitoril da janela vê-se privado dos pássaros, os olhos não brilham mais e o sorriso não tem o mesmo fulgor, só a saudade é que me traz um alívio bem vindo.
A avó rezava de face olheirenta marcada pelas rugas, de quando em quando abria a boca bocejando, e uma ou outra lamúria se lhe escapava dos lábios e ficava meditando na sorte de alguém que partiu para não voltar, esse avô que pairava clandestinamente pela casa como um fantasma.
Dizem os velhos da aldeia que me pareço com ele, como saber ao certo se apenas o conheço duma fotografia que não páro de olhar?
É agora tempo de medrarem as sementeiras, aspiro o cheiro dos campos, quem dera obrigar o relógio a andar para trás.
Às vezes se acerca de mim o pânico, o medo de esquecer, por isso me apresso a passar ao papel, a história dum vaso florido que o sol ergueu com narcisos de ouro e que hoje está quase quebrado, e só a poeira o cobre e a palavra o sente.
Recolho a saudade de mim
quando ao espelho me olho...
rosafogo
natalia nuno
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